O sistema de captação e processamento de votos das urnas eletrônicas que serão utilizadas nas eleições para prefeitos e vereadores em outubro de 2024 barrariam, hoje, ataques hackers que só poderiam ocorrer daqui a 20 anos.
A projeção é do chefe da Seção de Voto Informatizado do Tribunal Superior (TSE), Rodrigo Coimbra, com base em dispositivos de segurança do sistema usado nos equipamentos e na evolução da tecnologia à disposição de possíveis invasores.
A impossibilidade de ataques com sucesso, que nunca ocorreram -a primeira vez que os equipamentos foram utilizados foi em 1996- decorre das constantes modificações para aumento da segurança e da transparência do sistema.
Em 2024, os equipamentos já serão diferentes dos utilizados no pleito de 2022, quando estavam em disputa os cargos de presidente da República, governadores, um senador por estado, deputados estaduais e federais.
O sistema terá 30 “camadas” de segurança, assim como nas eleições de 2022, mas todos reforçados para evitar invasões. Essas “camadas”, conforme Coimbra, funcionam como barreiras contra ataques. “Cada uma tem uma função específica”, diz o servidor do TSE.
O reforço nas “camadas” é feito através de alterações nos algoritmos do sistema. Os algoritmos são o conjunto de instruções inseridos em um programa de computador para que execute a função para qual foi criado.
Uma das barreiras é a presença da assinatura digital do TSE, uma marca que permeia todo o sistema de captação e processamento dos votos.
“É como se fosse uma assinatura pessoal. Se alguém tentar inserir um dado que não conta com essa assinatura, o sistema mostra que aquilo se trata de uma intrusão”, afirma Coimbra. A partir daí, essa tentativa de acesso é repelida.
Essa barreira, especificamente, é uma das presentes no sistema para evitar, por exemplo, que votos sejam acrescentados a um ou outro candidato a partir de um ataque hacker.
Uma outra das 30 barreiras para impedir acessos indevidos é que a urna eletrônica sai da fábrica onde foi montada sem funcionar. O equipamento só entra em sua fase operacional a partir do momento em que o sistema de captação e processamento dos votos é inserido pelo TSE, o que acontece já às vésperas do pleito.
Todo o sistema de proteção é pensado, conforme Coimbra, de modo a evitar tanto ataques externos como internos, que poderiam partir de funcionários do próprio TSE. “O nível de segurança das urnas hoje é suficiente para impedir um ataque hacker que só poderia ocorrer daqui a 20 anos”, garante Coimbra.
Na parte da transparência, o chefe da Seção de Voto Informatizado do Tribunal Superior (TSE) afirma que em 2024 um novo relatório de votação será colocado no site da Corte para consulta pública.
Atualmente já podem ser verificadas informações sobre os votos dados em cada uma das seções e para quais candidatos. Como o voto é secreto, essas informações excluem, evidentemente, o nome de quem escolheu quem. “A urna não faz relação entre o eleitor e o voto”, lembra Coimbra.
A partir de 2024, segundo o servidor, poderão ser consultados também informações sobre a chamada carga das urnas, que é o momento, já próximo ao pleito, em que os equipamentos recebem os dados sobre os candidatos. “Segurança e transparência caminham juntas”, afirma o servidor do TSE.
Outro ponto que garante a inviolabilidade da urna eletrônica é que o equipamento não possui acesso à internet. Não existe também, por exemplo,a possibilidade de acessá-lo via wi-fi ou bluetooth. A urna possui dois cabos. Um que o liga à tomada e outro que faz sua conexão com o terminal do mesário.
Cerca de 500 mil urnas eletrônicas serão utilizadas nas eleições de 2024 nos 5.569 municípios brasileiros. Desse total, aproximadamente 220 mil são modelos fabricados a partir de 2023 e com entrega concluída em 2024.
As novas urnas entram em substituição a equipamentos que haviam sido fabricados em 2009, 2010 e 2011. O armazenamento das urnas é responsabilidade dos tribunais regionais eleitorais, conforme o TSE. Os novos equipamentos foram fabricados por empresa que venceu licitação realizada em 2021.
Especialista diz que sistema é seguro, mas requer vigilância constante
O professor do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Simplicio, afirma que a assinatura digital do sistema é o principal obstáculo para qualquer tentativa de ataque hacker às urnas.
O professor lidera um grupo de aproximadamente 20 pessoas que, por convênio com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) , realiza ininterruptamente testes de segurança no sistema de votação utilizado nos pleitos. Conforme o professor, outras universidades do país também fazem testes nesse sentido, mas a USP é a única onde há urnas, ou seja, hardware, submetidos a teste.
Segundo Simplicio, que também é vice-coordenador da Comissão Especial em Segurança da Informação e de Sistemas Computacionais da Sociedade Brasileira de Computação, a assinatura digital, em todos os testes, impediu qualquer tentativa de invasão, por não processar nenhuma informação que não reconheça como sendo do TSE.
Os testes são feitos basicamente de duas maneiras: uma para tentar desviar votos e outra para quebrar o sigilo do eleitor. Até hoje, a equipe, nos testes, não conseguiu nem um nem outro. O professor, porém, frisa a importância de as pesquisas não pararem. “O importante é a evolução da segurança”, frisa.
A evolução do sistema informatizado de votação no Brasil
A urna eletrônica é um equipamento brasileiro que foi utilizado pela primeira vez em 1996, ano em que também houve eleição municipal. Antes de chegar ao uso do equipamento, porém, o sistema brasileiro de votação, que utilizava voto em papel, passou por várias mudanças.
1932 – Criação do primeiro código eleitoral brasileiro e início de discussões sobre a possibilidade de implantação de um modelo eletrônico de votação.
1937 – Um equipamento desenvolvido nos Estados Unidos, chamado “The Automatic Voting Machine” foi analisado pelo então Tribunal Superior de Justiça Eleitoral (TSJE). A máquina tinha um braço mecânico que marcava a opção do eleitor e, ao final da votação, apresentava uma folha de metal com o voto dado. O sistema não chegou a ser implantado.
1952 – Uma invenção brasileira chamada Televoto foi apresentada à Corte. Possibilitaria o uso da televisão e o voto por telefone. O dono da ideia, porém, não conseguiu produzir o sistema em escala suficiente para ser utilizado no Brasil.
1970 – A década foi marcada pelo avanço na informatização da totalização dos votos em alguns estados.
1989 – Microcomputadores foram utilizados na votação em Santa Catarina. Naquele ano houve eleição para a Presidência da República, a primeira realizada de forma direta no país depois da redemocratização.
1994 – Eleitores de cinco seções de Florianópolis (SC) em segundo turno utilizaram sistema informatizado de votação criado pelo TRE local. Naquele ano foram escolhidos presidente da República, governadores, dois senadores, deputados federal e estadual.
1996 – Começa o uso das urnas eletrônicas nas eleições brasileiras, com um terço da população brasileira utilizando esse sistema.