Um pequeno grupo de 38,4 mil empresários recebeu R$ 46 bilhões em lucros distribuídos por empresas do Simples Nacional em 2022. São pessoas com uma renda individual média de R$ 1,5 milhão, considerando esse e outros rendimentos declarados à Receita Federal. Esses sócios representam menos de 2% das pessoas físicas que declararam receber lucros do Simples e ficaram com 20% desses dividendos.
O levantamento foi feito com apoio da Samambaia.org e tem como base dados publicados pela Receita, neste ano, das declarações do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) entregues em 2023 (ano-base 2022). Naquele ano, 2,2 milhões de pessoas informaram em suas declarações terem recebido dividendos de empresas do Simples.
Os lucros dessas empresas têm uma tributação média estimada inferior a 8% na pessoa jurídica e são isentos na distribuição para seus sócios, isenção que também se aplica aos dividendos de companhias de outros regimes de tributação. O imposto incide sobre o faturamento, por isso, não há um número exato do impacto no lucro.
Podem entrar no regime simplificado empresas com receita bruta de até R$ 4,8 milhões no ano (R$ 400 mil mensais). Um projeto aprovado pelo Senado e que tramita na Câmara eleva o limite para R$ 8,7 milhões, o que permitiria aumentar o número de milionários do Simples.
Os dados da Receita também mostram que um grupo mais amplo, de 384 mil pessoas, recebeu R$ 145 bilhões em dividendos como sócios de empresas do Simples. Isso representa uma renda média de R$ 538 mil para cada um deles, conta que considera também recursos declarados de outras fontes.
Esses empresários concentram 65% dos lucros provenientes desse regime de tributação e representam 18% dos donos de empresas do Simples que apresentaram a declaração do IRPF no ano passado.
Os números da Receita também permitem estimar que a tributação desses lucros na pessoa física, nos moldes propostos pelo governo federal em 2021, teria gerado uma arrecadação extra de R$ 12,2 bilhões, onerando apenas 230 mil sócios dessas micro e pequenas empresas.
RECORDE DE DIVIDENDOS
A distribuição de dividendos alcançou o recorde de R$ 830 bilhões em 2022 (R$ 885 bilhões atualizados). Os valores declarados à Receita por sócios do Simples representa cerca de 25% desse total.
O Brasil possui mais de 5 milhões de empresas ativas enquadradas nesse regime, o que significa que a maioria desses empresários são pessoas de baixa capacidade contributiva, que sequer fazem a declaração, afirma o economista Sérgio Gobetti.
Por outro lado, há uma subtributação de pessoas muito ricas que se utilizam do guarda-chuva do Simples para fugir do Imposto de Renda, segundo o pesquisador.
“Há uma confusão no Brasil entre porte de empresa e capacidade contributiva dos seus proprietários. Eu posso ter acionistas de grandes companhias que não são ricos, e donos de microempresas milionários”, afirma Gobetti.
Ele diz que esse é um caso clássico de dupla “não tributação” do lucro: imposto reduzido sobre o resultado na pessoa jurídica e isenção do dividendo na pessoa física.
“Você está falando de um milionário que é sócio do Simples. Mesmo quando se considera o que ele pagou de imposto sobre o lucro na empresa, é um percentual médio sobre a sua renda que não ultrapassa 8%.”
REVISÃO DO SIMPLES
O governo prepara uma reavaliação do programa para reduzir fraudes e distorções. Também há planos para taxar os dividendos de todas as empresas, independentemente do porte, medida que tem o apoio de especialistas.
“O Simples não abrange apenas o pequeno [empresário]. Muitas pessoas que optam pelo programa têm capacidade contributiva e não estão pagando muito imposto”, afirma Leonel Cesarino Pessôa, professor da FGV Direito SP e um dos autores de um estudo que mostra discrepâncias entre o conceito de microempresa no Brasil e em outros países.
Ele destaca também o uso dessas empresas para reduzir o pagamento de tributos por meio da pejotização. Outro problema é a substituição da base de cálculo dos tributos. Nas empresas do Simples, o IRPJ e a CSLL (contribuição sobre o lucro líquido) incidem sobre o faturamento, o que prejudica empresas com lucro pequeno e margem baixa em relação àquelas com margem elevada e alta lucratividade.
Pessôa afirma que, por mais que se justificasse um tratamento tributário diferenciado para as empresas optantes pelo regime, ele nunca deveria ser estendido aos dividendos pagos às pessoas físicas. “Aí não estamos mais falando de empresas que supostamente mereceriam tratamento diferenciado, mas dos sócios, muitas vezes com muita capacidade contributiva.”
TAXAÇÃO DOS DIVIDENDOS
Em 2021, o ministro Paulo Guedes (Economia) tentou instituir a tributação de dividendos, com uma faixa de isenção de R$ 240 mil por ano para todas as empresas. A Câmara ampliou o benefício, isentando todos os empresários do Simples e também aqueles do lucro presumido com faturamento de até R$ 4,8 milhões.
Na época, o então deputado Celso Sabino (União-PA), relator do projeto, atual ministro do Turismo, disse que a perda de arrecadação seria de apenas R$ 300 milhões, cobrados de 5.000 pessoas.
Essa e outras mudanças desfiguraram o projeto, que foi engavetado no Senado, com apoio do governo federal e dos estados, que já contestavam os números do relator e falavam em um benefício fiscal bilionário. (Folhapress)