BRASÍLIA. O deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP) entrou na Justiça contra a União com um pedido de R$ 80 mil em indenização por danos morais por ter sido alvo de espionagem ilegal pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). O esquema ocorreu no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ficou conhecido como “Abin paralela”. A ação foi protocolada na Justiça Federal de São Paulo.
Além da indenização, Kim pede à Justiça para ter acesso a todos os dados que foram colhidos no período em que foi alvo do monitoramento clandestino. O esquema foi alvo de investigação pela Polícia Federal (PF), que apontou o ex-chefe do órgão e atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) como chefe do esquema.
“Gera inegável dano moral o uso da estrutura de inteligência do Estado para captar ou forjar informações com o objetivo de denegrir a imagem do Autor. Cumpre lembrar que o Autor, como político, depende da sua imagem”, escreveu a defesa de Kim no pedido.
Na última semana, Ramagem prestou depoimento por quase sete horas na superintendência da PF no Rio de Janeiro. De acordo com o jornal O Globo, o ex-chefe da Abin respondeu a cerca de 130 perguntas feitas pelos agentes e negou ter tido conhecimento sobre o esquema de monitoramento ilegal.
Ramagem também responsabilizou o agente Marcelo Araújo Bormevet e o militar Giancarlo Gomes Rodrigues, ambos cedidos para a Abin no governo Bolsonaro, pela espionagem. Em material apreendido, a PF encontrou conversas entre os dois servidores sobre ordens para elaboração de dossiês contra autoridades.
Também foi abordado pelos agentes da PF foi o áudio apreendido pela PF na casa dele, em 24 de janeiro deste ano, que revela uma reunião entre Ramagem, Jair Bolsonaro e o então ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno. A gravação tem uma hora e oito minutos e foi feita em 25 de agosto de 2020 de forma ilegal.
A reunião aconteceu no Palácio do Planalto, sede administrativa do governo federal em Brasília (DF), e contado com a participação de advogadas de Flávio. Na conversa, eles trataram sobre um plano de monitoramento de três auditores da Receita Federal para blindar o senador Flávio Bolsonaro (PL) no caso das “rachadinhas”. A prática consiste no desvio de dinheiro por meio dos salários de assessores.
Os dois servidores da Receita produziram os relatórios que originaram a investigação sobre o esquema na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), quando Flávio era deputado estadual.
Relembre
A ferramenta utilizada para a espionagem era a First Mile, capaz de identificar a “localização da área aproximada de aparelhos que utilizam as redes 2G, 3G e 4G”. O sistema foi adquirido pelo Brasil em 2018, no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).
Desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint), o programa permite rastrear o paradeiro de uma pessoa a partir de dados transferidos do celular para torres de telecomunicações instaladas em diferentes regiões. A compra custou R$ R$ 5,7 milhões ao governo brasileiro, com dispensa de licitação, e foi utilizada pela Abin até meados de 2021.
Para o monitoramento pelo sistema, bastava que um número de celular fosse digitado no programa para que a localização do dono da linha aparecesse em um mapa. Com isso, era possível visualizar o histórico de deslocamentos e, inclusive, movimentações em “tempo real” de quem era alvo.
O software possibilitava consultar até 10 mil donos de celulares em um período de 12 meses. A espionagem ilegal aconteceu, no entanto, porque dados privados eram acessados sem autorização judicial.
Além disso, a PF apontou a instrumentalização do sistema pelo governo Bolsonaro, para vigiar adversários sem uma justificativa legal. Entre eles, ministros, políticos e jornalistas. A investigação também apontou que a gestão da Abin sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentou interferir na investigação sobre o First Mile.