BRASÍLIA — Quando Hugo Motta colocou os pés na chapelaria do Congresso Nacional 15 anos atrás, filiado a um imponente MDB, o paraibano ostentava o rótulo de deputado mais jovem eleito para o cargo no Brasil — marca que, obtida aos 21 anos, ainda o pertence.
Quatro mandatos depois, na segunda-feira (3), ele percorrerá novamente o trajeto. Não mais em direção a um prédio anexo, mas para ocupar o gabinete mais importante da Câmara, atrás do plenário e com ligação direta para a cadeira onde é decidida parte do futuro do país.
Ali, tomará a presidência, que nas duas últimas décadas pertenceu a Arthur Lira (PP-AL), Rodrigo Maia (PSDB-RJ) e Eduardo Cunha (MDB-RJ) — dois deles fundamentais para o triunfo de Motta. O político de 35 anos forjado em uma família de caciques do sertão paraibano foi eleito, neste sábado (1º), com 444 votos.
Herdeiro político de um pai e de avós que acumulam mandatos na Paraíba, com a irmã e a mãe prontas para entrar no cenário, Motta se forjou deputado à sombra do reinado de Cunha, então no auge de sua trajetória como um dos homens mais poderosos do país.
A relação cresceu diante de mandos e desmandos de Eduardo Cunha na Câmara dos Deputados e da forte interferência dele no Palácio do Planalto.
A união perdurou quando o cacique perdeu a força em uma sucessão de acontecimentos que inclui destituição da presidência da Câmara, cassação do mandato e condenação à inelegibilidade por dez anos — punição que, aliás, acaba em 2026 e permitirá a ele voltar à corrida eleitoral.
Motta ganhou visibilidade na CPI da Petrobras
Ainda protagonista da política brasileira, o carioca Eduardo Cunha, impulsionou Motta ao indicá-lo para presidir a CPI da Petrobras, naquela que se tornou sua primeira grande exibição política.
A comissão instalada investigaria indícios de corrupção que pairavam sobre contratos da petrolífera e terminou isentando políticos de responsabilidades em irregularidades praticadas.
Entre os nomes supostamente blindados pelo relatório da CPI elaborado pelo então deputado Luiz Sérgio (PT-SP) aparece o de Eduardo Cunha, inicialmente condenado à prisão pela Justiça Federal do Paraná por corrupção e lavagem de dinheiro em contratos da Petrobras. A sentença foi posteriormente anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A aliança que sustentou a indicação de Motta para a CPI da Petrobras foi alimentada com demonstrações de lealdade que Cunha narrou em um livro autobiográfico sobre o processo que resultou no impeachment de Dilma Rousseff.
Aparecem ali reuniões na residência oficial da Câmara, relatos de articulações e até os movimentos de Eduardo Cunha para eleger Motta líder do PMDB — a quem ele classificou como “cumpridor de compromissos”.
“Motta era governista, se dava bem com a oposição e era bastante ligado ao filho de Renan, o governador Renan Filho [hoje ministro dos Transportes]. Era um bom quadro. Cumpridor de compromissos. Bastava combinar as regras”, contou no diário.
“Fiquei atento ao telefone durante todo o tempo, contatando deputados da bancada, tentando apoio para a candidatura de Hugo Motta”, completou Cunha. O apadrinhado saiu derrotado da eleição; seu adversário, Leonardo Picciani bateu Motta com diferença de sete votos.
Em público, a relação também demonstrava força. Foi ao lado de Motta e do então deputado André Fufuca, hoje ministro dos Esportes de Lula, em um camarote no Mané Garrincha que Cunha viu o Flamengo perder para o Coritiba.
Fora do gramado, ele era investigado por corrupção e menos de dois meses depois da partida, em novembro de 2015, a Câmara instauraria o processo que levou à cassação dele.
Motta fazia parte da tropa de choque de Eduardo Cunha
A ligação com o político alçou Motta à posição de fiel partidário na tropa de choque que articulou uma rede de proteção a Eduardo Cunha — e que falhou no intento.
Antes do início da derrocada, o então líder da Câmara dos Deputados distribuiu aliados nas posições mais cobiçadas: a Lira coube a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o colegiado mais desejado da Câmara.
Apareciam também no cenário o vice-presidente de Cunha, Waldir Maranhão (PP-MA), e o segundo secretário Felipe Bornier (PSD-RJ).
A amizade entre Cunha e Motta ainda teve um terceiro elemento: a filha do carioca, à época sem mandato, Danielle Cunha — filiada ao União Brasil e hoje deputada federal eleita pelo Rio de Janeiro, reduto eleitoral do pai.
Publicitária de formação, ela captou Motta e Fufuca para a rede de clientes, que contrataram serviços com dinheiro da cota parlamentar. A relação com o paraibano, alimentada pelo laço construído com o pai, não se restringiu a Brasília.
Em 2016, quando era investigada pela força-tarefa da Lava Jato, Danielle curtiu os festejos do São João no sertão da Paraíba, hospedada com a família de Hugo Motta.
A decadência de Cunha começou ainda àquela época no bojo da operação da Polícia Federal, e o que iniciou com um afastamento da Câmara dos Deputados terminou na prisão.
Após derrocada de Cunha, Motta foi apadrinhado por Ciro Nogueira
Órfão do padrinho, Motta não foi largado à própria sorte. Outro aliado forte, que se mantém próximo a ele, é Ciro Nogueira (PP-PI) — hoje senador e presidente do partido; antes, ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro (PL).
Foi Ciro um dos principais articuladores da candidatura de Motta para a sucessão de Lira. A avaliação nos bastidores é que a eleição de Motta fortalece quem o carregou até ali; justamente Eduardo Cunha e Ciro Nogueira.
O paraibano, entretanto, argumentou a interlocutores que Cunha nunca interferiu em suas articulações pela presidência da Câmara dos Deputados e garantiu que isto também não ocorrerá quando ele assumir o cargo.
Candidatura de Motta bagunçou tabuleiro da Câmara e eliminou Elmar e Brito do páreo
A cinco dias da eleição para a Câmara dos Deputados, Motta era tietado de um canto a outro do restaurante em um bairro nobre em São Paulo, lugar marcado pela bancada paulista para selar a aliança pela candidatura dele. Não houve quem não o procurasse para um aperto de mão ou um cochicho comedido.
Fortalecido, ali ele exibia o apoio público de sete figurões da política — lideranças de alguns dos maiores partidos do país.
O feito de conciliar ali as presenças de celebridades políticas, ministros de Estado, deputados de pólos opostos e até do filho do apresentador Faustão demonstra um traço da personalidade de Hugo Motta — algo que aliados acreditam que ele manterá enquanto presidente da Câmara dos Deputados.
Motta foi a opção de Arthur Lira (PP-AL) para herdar a cadeira da presidente da Câmara dos Deputados, que ocupou por quatro anos.
O gênio conciliador de Hugo Motta contribuiu para torná-lo favoritíssimo na eleição da Câmara mais de quatro meses antes da votação, contrariando a máxima que vigora em Brasília e que depõe contra campanhas antecipadas.
Inicialmente, em público, Motta não era a primeira opção do Republicanos; o partido pretendia disputar o cargo com o próprio presidente da sigla, Marcos Pereira (SP). Contudo, a opção pelo paraibano se revelou sábia. O bom trânsito de Motta entre as bancadas garantiu apoio maciço à candidatura dele e derrubou as chances de outros que se lançaram à corrida.
Um a um, 18 dos vinte partidos que têm deputados eleitos declararam apoio público à candidatura dele — retirando até as próprias candidaturas, como ocorreu com o União Brasil de Elmar Nascimento (BA) e o PSD de Antonio Brito (BA).
O consenso em torno de Hugo Motta, entretanto, não aconteceu sem indisposições. Muitos deputados aguardavam que Lira definisse Elmar como seu candidato — a opção de Lira por Motta gerou ruídos na relação de amizade que ele mantém com Elmar, e os dois se distanciaram.
Abandonado, o líder do União Brasil decidiu continuar como pré-candidato à Câmara. E, frustrado, ele procurou Antonio Brito, que àquela altura também tentava articular apoios em torno de si. A dupla recorreu à base e até à articulação política do Palácio do Planalto.
Não foi suficiente, e o PT logo declarou apoio a Hugo Motta. Com a multiplicação do núcleo de aliados do deputado do Republicanos, Brito abdicou do pleito. Pressionado pela bancada do União Brasil, Elmar repetiu o gesto logo depois.
O quadro foi pacificado de tal maneira que os presidentes de União Brasil, Antonio de Rueda, e PSD, Gilberto Kassab, participaram da declaração de apoio a Motta chefiada pela bancada paulista na última segunda-feira (27).
A mudança no cenário levou Motta a uma disputa sem grande concorrência. Seus únicos adversários, Marcel Van Hattem (Novo-RS) e Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ), não apresentaram ameaça real ao triunfo dele.