29/01/2025
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TIRADENTES. No relógio, a primeira vez que o documentário “Milton Bituca Nascimento” menciona o Clube da Esquina se dá depois de uma hora e 25 minutos de projeção. Parece um exercício de contorcionismo desvincular o cantor do movimento musical mineiro, mas o percurso realizado pelo filme traz uma abordagem mais poética e desapegada de elementos históricos, apresentando um virtuose em que a musicalidade surge como algo inato, capaz de seduzir públicos e artistas mundo afora, mesmo numa língua estranha a pelo menos 95% da população mundial.

A falta de maior ênfase ao Clube da Esquina chama a atenção no documentário, exibido pela primeira vez na 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes, na cidade histórica mineira. O longa seria mostrado numa praça, próximo à rodoviária, mas a chuva intensa que caiu na noite de domingo (26) o levou para uma apertada e concorrida sala no Centro Cultural Yves Alves, com muita gente ficando de fora – situação que levou a organização a programá-lo novamente. Bituca não pôde estar presente, pois está em Los Angeles para a cerimônia do Grammy, mas mandou um vídeo de agradecimento.

A diretora Flávia Moraes foi outra ausência, mas ela conversou com a reportagem de O TEMPO no dia seguinte à exibição, por videoconferência, diretamente da Espanha. “O meu desafio era mostrar um Milton com quem a gente não tinha tanta intimidade. Me chateia um pouco, no documentário, (a ideia de) ficar contando as mesmas histórias, do Lô (Borges) descendo a escada e ouvindo a voz do Milton. São histórias que estão, de certa forma, até um pouco repetitivas, apesar de serem maravilhosas, mas já foram contadas muitas vezes”, explica a cineasta.

“Há uma homenagem lindíssima ao Clube, mas é muito mais do que isso. O filme tem uma característica de road movie. Eu me propus a seguir o Milton e ir com ele aonde ele me levasse. Existe uma dinâmica que, não por acaso, começa no exterior, já que a turnê tem início lá. E chega a Minas quando a gente já teve uma compreensão dele lá fora, e aí fica tudo mais terno, mais cálido, com a gente valorizando mais o Brasil após sair daquele turbilhão internacional. A gente viaja de avião e volta de trem, aparecendo naturalmente as figuras e as histórias importantes no próprio decorrer do documentário”, registra.

Não deixa de ser curioso que essa opção surja de uma produção com muitas mulheres, narrada por Fernanda Montenegro, responsável por imbuir a imagem de Milton de muita poesia. Em oposição ao próprio Clube da Esquina, formado majoritariamente por homens. “Prefiro dizer que é um olhar delicado. Mas, sim, tem, sem dúvida nenhuma, uma energia feminina, e também uma energia feminina do homem delicado, a exemplo do próprio Milton”, observa Flávia, citando o roteirista Marcelo Ferla e o diretor de fotografia Pedro Rocha.

Não é mistério para ninguém que o artista é avesso a entrevistas. E Flávia conseguiu driblar bem essa dificuldade, criando cenas belíssimas, como o momento em que Bituca conversa com alguém num quarto de hotel e a câmera parece à espreita, acompanhando de longe, atrás de uma porta semiaberta. “Sem dúvida nenhuma, entrevistar o Milton foi, como sempre será, maravilhoso, porque ele opera em outro lugar. Ele opera na energia, no olhar, no silêncio. Não é um cara falante, nunca foi”, conta Flávia, que fez mais de uma entrevista com o cantor ao longo da turnê de despedida, ocorrida entre junho e novembro de 2022.

“Gravei pelo menos umas quatro que não estão no documentário. Estão excelentes, mas, de alguma maneira, são mais do mesmo. A entrevista que usamos, esta a que você se refere, foi feita por mim – eu estou atrás da parede, tirei a câmera de perto e a coloquei na sala, para tirar a ideia de estar sendo filmado. Claro que ele sabia que estava sendo filmado, mas tira um pouco aquela sensação de tensão de quem é o objeto de um documentário e entra numa conversa que foi toda estimulada com música, com algumas que eu tocava em meu celular”, revela Flávia.

Para chegar a esse estágio, porém, a diretora lembra que já tinha acompanhado boa parte da turnê. “No início, a gente até tinha um grande respeito em relação a como enquadrá-lo, buscando ser muito delicado com a imagem dele. Com isso, ganhei tempo para ir me aproximando devagarinho e ganhando um pouco da confiança dele. Tivemos outra entrevista muito boa, feita no Rio de Janeiro, mas esta de Los Angeles, no quarto, era muito enigmática, poética. Muito fora daquilo que você espera de um documentário tradicional, em que todo mundo está em close”, destaca.

Na época residente em Los Angeles, Flávia Moraes entrou no projeto a partir de um convite de Augusto Nascimento, filho adotivo de Bituca, e do diretor musical Vitor Poças. “Acho que chegaram ao meu nome após pensarem quem poderia segurar essa encrenca nesse filme impossível, porque era muito desafiador acompanhar Milton já velhinho, debilitado fisicamente, sendo carregado por várias cidades da Europa e da América e lidando com uma despedida – não só dele, mas de artistas que já estão meio que se despedindo da gente, infelizmente”, afirma.

Além da experiência internacional e do bom trato com equipe e elenco, ela tinha a “teimosia necessária para levar a cabo o projeto”, cheio de complexidades, como liberação de direitos de imagens e músicas. Ela mesma frisa que o elenco do documentário é estelar, “com pessoas que não se colocam todo dia na mídia para conversar”, que vão dos brasileiros Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Simone e João Bosco a algumas lendas do jazz, como Wayne Shorter, Herbie Hancock e Pat Metheny, além do cineasta Spike Lee.

Ela ficou com medo de ser apontada como oportunista ao mostrar Milton com a saúde debilitada e a voz falhando. A decisão final sobre topar ou não veio de uma conversa com o próprio artista. “Precisava ver se eu conseguiria me relacionar com ele, ter uma relação de diretor e ator. Como ficaria cerca de dois anos com ele, precisava saber até que ponto ele iria no jogo dramático e responderia a estímulos e provocações. Fui para o Rio e fiquei três dias conversando com ele, de porta fechada, só eu e ele. No início foram silêncios longuíssimos”, lembra.

“Já no segundo dia, eu levei alguns exercícios que a gente faz com ator, de trocas de estímulos; líamos poesias e pedia para ler as letras das canções. Quando estávamos terminando o terceiro dia, eu disse: ‘Bituca, eu preciso lhe fazer uma pergunta: você quer fazer essa turnê ou acha que tem que fazer por conta dos músicos ou por alguma razão que eu não saiba? Você está pronto para fazer essa turnê?’. Ele parou, pensou e respondeu que queria fazer, porque ‘quero me despedir dos meus fãs e olhar nos olhos deles’. ‘E você quer fazer um documentário?’. Ele ficou quieto e perguntou: ‘Vai dar muito trabalho?’”, conta.

Flávia não mentiu sobre o enorme trabalho que teriam pela frente, mas Milton Nascimento topou assim mesmo. A partir daquele momento, ela não teve nenhum impedimento para pôr em prática o documentário que tinha em sua cabeça, não ouvindo o que poderia ou não fazer. “Não estava fazendo um documentário jornalístico, como fotos e datas, checando os fatos. Eu parti para uma linha de retrato, com a minha carga, a minha emoção e a minha maneira de contar histórias. Eu só tenho a agradecer a generosidade e a confiança que tiveram no meu trabalho”.

(*) Viajou a convite da Mostra de Cinema de Tiradentes

Confira a matéria completa em: zug.net.br

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