A presença de Von der Leyen é um forte indicativo de que os dois lados pretendem anunciar um entendimento. Se confirmado, o fato marcará o fim de uma negociação que se arrasta há mais de duas décadas. Depois de vencidas as etapas de implementação, nas quais a oposição liderada pela França deve ressurgir, o tratado deve abarcar um mercado de 750 milhões de pessoas.
Entenda os principais pontos do acordo Mercosul – União Europeia.
O QUE É UM TRATADO DE LIVRE-COMÉRCIO?
É um acordo entre países para reduzir ou zerar tarifas e eliminar outras barreiras para importação e exportação. As negociações entre UE e Mercosul foram inicialmente concluídas em 2019, mas o texto foi reaberto.
O QUE O ACORDO COM A UNIÃO EUROPEIA PREVÊ?
Para o Mercosul, serão zeradas ou reduzidas as tarifas de exportação para a União Europeia de cerca 90% dos produtos, num prazo que, em 2019, foi estipulado em dez anos.
No caso de itens do Mercosul, o principal foco será sobre produtos agrícolas. O tratado pretende eliminar ou reduzir tarifas para 99% das exportações agrícolas brasileiras, de acordo com estimativa do Ministério da Agricultura.
Para importações de itens vindos da União Europeia, haverá redução de tarifas de carros, peças automotivas, artigos de vestuário, produtos farmacêuticos, chocolates e vinhos. O acordo também trata de serviços, investimentos, compras governamentais, medidas sanitárias e propriedade intelectual.
POR QUE O ACORDO ANUNCIADO EM 2019 FOI RENEGOCIADO?
As conclusões das negociações ocorreram pela primeira vez em meados de 2019, ainda no governo Jair Bolsonaro (PL). No entanto, houve forte oposição na Europa contra a política e as declarações antiambientais do então líder brasileiro.
Como resultado, o acordo ficou anos na gaveta, sem ser enviado para análise do Parlamento Europeu ou dos Legislativos do países do Mercosul. Os europeus tentaram ainda negociar um protocolo com compromissos adicionais na área ambiental, mas isso não foi suficiente para fazer as tratativas andarem.
Com a chegada do presidente Lula (PT) ao poder, parte das resistências sobre meio ambiente foi contornada, mas o Mercosul e a UE reabriram as negociações para mudar itens relacionados às exigências ambientais e à política de compras governamentais.
Esse processo se arrastou por praticamente dois anos, até a cúpula do Mercosul de Montevideu que ocorre nesta quinta (5) e sexta-feira (6).
O QUE FOI MODIFICADO DE 2019 PARA AGORA?
Ainda não há detalhes oficiais sobre o que foi renegociado. Segundo pessoas a par das conversas disseram à reportagem, não houve mudanças significativas nas cotas fixadas para produtos agrícolas entre sul-americanos e europeus. Se confirmado, isso significa que o Mercosul terá uma cota de 99 mil toneladas de carne bovina com tarifa reduzida para o mercado europeu, por exemplo.
Esses interlocutores disseram ainda que foi incluído um dispositivo de reequilíbrio, de caráter dissuasório, com o objetivo de desestimular as partes a adotarem medidas de caráter protecionista. O Brasil é especialmente preocupado com esse ponto, por temer que a nova lei antidesmatamento da Europa, por exemplo, seja usada para dificultar a entrada de produtos brasileiros na UE.
Segundo esse mecanismo, no caso da adoção de uma ação unilateral vista como protecionista, a outra parte poderá, após várias etapas de consultas, retaliar em até 50% da cota prevista no acordo.
Também deve constar um dispositivo que permite, em último caso, a chamada retaliação cruzada: ou seja, a imposição de tarifas poderá ocorrer em itens diferentes dos que foram supostamente prejudicados por uma medida protecionista.
Outro item que deve estar no tratado é a obrigação de que todos os signatários sejam também membros do Acordo de Paris -uma das razões que deve amarrar o ultraliberal Javier Milei ao compromisso climático.
QUEM É A FAVOR E QUEM É CONTRA?
O acordo é apoiado, em maior ou menor grau, por todos os países do Mercosul. O problema está na Europa, onde o texto rachou o eixo franco-alemão que serve como pilar da UE. Enquanto Alemanha, Espanha, Suécia e Portugal, entre outros, são entusiastas do tratado, há oposição ferrenha na França, que teme principalmente prejuízos para seus agricultores. Recentemente, a Polônia também apresentou objeções, e houve declarações contrárias do governo italiano.
QUAL O IMPACTO DO ACORDO PARA O BRASIL?
Em 2019, o Ministério da Economia (hoje Fazenda) estimou que o acordo deve representar um incremento de US$ 87,5 bilhões (R$ 336 bilhões) em 15 anos para o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, podendo chegar a US$ 125 bilhões (R$ 480 bilhões).
QUAL O TAMANHO DOS MERCADOS?
O Mercosul e a UE representam, somados, PIB de mais de US$ 20 trilhões e um mercado de 750 milhões de pessoas.
QUANTO MOVIMENTA O COMÉRCIO ENTRE OS BLOCOS?
Em 2023, a UE exportou para os quatro membros do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) cerca de 55,7 bilhões de euros. Na direção contrária, o Mercosul vendeu para a União Europeia 53,7 bilhões de euros. A Bolívia só ingressou recentemente no Mercosul.
QUAIS SETORES BRASILEIROS SÃO BENEFICIADOS?
Devem se beneficiar principalmente produtos agrícolas, peixes, crustáceos e carnes bovina, suína e de aves, entre outros setores.
QUAIS SETORES DA ECONOMIA BRASILEIRA PODEM SER PREJUDICADOS?
Produtores de itens que o Brasil importa da UE, como vinhos, veículos, máquinas, produtos
farmacêuticos e químicos, podem enfrentar maior competição.
QUAIS OBSTÁCULOS O ACORDO AINDA ENFRENTARÁ?
Depois da conclusão das negociações, ele precisa ser analisado pelo Parlamento Europeu e pelos Legislativos dos países do Mercosul. Deve também ser assinado pelos executivos dos países (no caso da UE, pela Comissão Europeia e por outros órgãos europeus).
Depois, a implementação do acordo ainda depende de aval dos Parlamentos de todos os países da União Europeia.
Há ainda a possibilidade que a Comissão Europeia tente fatiar a implementação do acordo, para que ele entre em vigor mais rapidamente. Nesse caso, a parte comercial poderia ser implementada a partir da aprovação no Parlamento Europeu, enquanto os capítulos políticos tomariam o caminho mais longo e precisariam esperar a luz verde dos Legislativos nacionais europeias. (Folhapress)