A pesquisa Prisma Fiscal de novembro, elaborada pelo Ministério da Fazenda, já aponta a dívida bruta do governo se aproximando de 100% do Produto Interno Bruto (PIB) em dez anos. Os dados mostram que as instituições que mais acertam as previsões -o chamado Top 5 Podium- projetam a dívida em 98,95% do PIB no fim de 2033. Na mediana das projeções (medida de tendência central das estimativas), a dívida chegará a 2033 em 95,45%.
Para o ex-secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, o que chama a atenção nos números recém-divulgados é que os patamares de dívida que estão sendo alcançados no Prisma (perto de 99% do PIB) não foram alcançados nem na pandemia da Covid 19.
O Prisma Fiscal é um sistema de coleta de expectativas do mercado financeiro, criado e gerido pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda para acompanhamento da evolução das principais variáveis fiscais brasileiras, sob a ótica de analistas do setor privado.
A pesquisa tem um ferramenta que permite consultar, de forma gráfica e interativa, como as previsões para diferentes meses e anos evoluíram ao longo do tempo. É, portanto, o mais completo raio-x de como os agentes econômicos enxergam o futuro das contas públicas.
De acordo com Bittencourt, o painel com essa ferramenta adicional de apoio, que estava fora do ar desde junho, voltou agora a funcionar, trazendo os números novos de outubro e novembro. “O bom desta ferramenta é que dá para analisar a variável que quiser, no horizonte que quiser”, diz.
Ele considera o Prisma Fiscal uma pesquisa melhor como indicador das expectativas de resultado das contas do governo e da dívida pública do que a Focus, coletada pelo BC (Banco Central), que também capta expectativas fiscais dos agentes do mercado, mas com foco na política monetária.
“O prisma é muito melhor que o Focus para projeções fiscais, porque tem muito mais gente respondendo e dedicando energia a essas projeções”, afirma Bittencourt. O sistema apura ainda variáveis auxiliares de atividade econômica, nível geral de preços e mercado de trabalho, indicadores que têm importantes implicações nas contas públicas e na política fiscal.
“No auge da pandemia, final de 2020 início de 2021, a dívida bruta estava em torno de 87% e as projeções chegavam a 97% ou 98% do PIB. Hoje, temos uma dívida de 78% do PIB e as projeções chegam a 99% do PIB”, diz Bittencourt, que atualmente comanda a área de macroeconomia da instituição financeira ASA.
Para ele, as expectativas futuras para as contas públicas no longo prazo são uma maneira de alertar que a piora do risco fiscal, expressa nos preços hoje dos ativos no mercado financeiro, não está dissociada das projeções.
O economista da ASA cita que a projeção da dívida bruta do Top 5 estava, em junho, em 86% do PIB para 2030. Em outubro, passou para 92% e, em novembro, para 95%. O crescimento reflete a alta na Selic e a piora da percepção de risco das contas públicas em relação à sustentabilidade do arcabouço (a regra fiscal aprovada no governo Lula) no médio e longo prazos.
“O arcabouço nunca gerou uma percepção de solvência nas expectativas das variáveis fiscais. Não estou falando dos agentes econômicos, mas daquilo que eles colocam nas projeções”, diz.
A diferença em relação ao cenário atual era o atenuante que havia antes em torno das expectativas de queda de juros dos Estados Unidos. “O melhor momento das projeções de longo prazo foi quando se tinha perspectiva de um afrouxamento rápido da política monetária nos EUA, até março deste ano”, afirma Bittencourt.
Essa reversão de expectativa, combinada com a revisão, em abril, da meta fiscal de resultado primário das contas públicas pelo governo Lula (PT) mudou o cenário.
Segundo o economista, com o dissenso logo depois da decisão de maio do Copom (Comitê de Política Monetária) do BC (que dividiu o votos entre diretores indicados por Lula e o ex-presidente Jair Bolsonaro), começou a piorar de novo as projeções de longo prazo para a política fiscal.
O ex-secretário do Tesouro lembra que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse diversas vezes que o Brasil precisava reforçar a capacidade de o resultado primário das contas públicas (receitas menos despesas, exceto o pagamento dos juros) refletir o esforço fiscal do governo.
O alerta foi feito porque aumentaram as incertezas sobre se o resultado primário continua sendo um indicador relevante por causa dos abatimentos da meta fiscal e da adoção de medidas parafiscais (fora do orçamento).
“Aí o mercado disse: ‘vamos olhar os outros indicadores, dívida bruta, vamos olhar o resultado nominal [que inclui os gastos com juros da dívida]’. O mercado se dedicou a olhar com mais interesse justamente quando o BC começou o atual ciclo de aperto monetário no Brasil”, afirma Bittencourt.
Para ele, as variáveis fiscais voltaram a piorar com uma confluência infeliz de fatores, que estão se refletindo nessas projeções. Ele cita o efeito da política monetária afetando a dinâmica da projeção da dívida com uma perda de credibilidade na política fiscal.
Mais recentemente, houve o efeito do pacote fiscal do governo. A percepção do mercado é que faltaram indicativos de que o governo está disposto a empenhar o seu capital político para corrigir a rota das contas públicas.
(Folhapress)