BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender nesta quarta-feira (23) a taxação dos “super-ricos”, cobrar a responsabilidade dos países mais desenvolvidos contra a crise climática e a criticar as guerras. Diante do presidente da Rússia, Vladimir Putin, pediu um cessar-fogo na Ucrânia. Ainda defendeu uma “moeda comum” para transações entre países do Brics.
O mandatário brasileiro falou sobre tais temas durante participação por videoconferência na 16ª Cúpula dos Brics, que acontece em Kazan, na Rússia. Ele participaria presencialmente, mas cancelou a viagem por recomendação médica após cair em um banheiro no Palácio da Alvorada, no sábado (19), e sofrer um corte na nuca.
No discurso desta quarta-feira, que durou sete minutos, ao falar sobre o conflito no Oriente Médio, Lula cobrou um cessar-fogo imediato e voltou a criticar o avanço de Israel sobre a Faixa de Gaza e ao território libanês, em reposta aos ataques do Hamas e do Hezbollah. O brasileiro também pediu o fim dos combates na Ucrânia.
“Como disse o presidente Erdogan na Assembleia Geral da ONU, Gaza se tornou o maior cemitério de crianças e mulheres do mundo. Essa insensatez agora se alastra para Cisjordânia e para o Líbano. Evitar uma escalada e iniciar negociações de paz também é crucial no conflito entre Ucrânia e Rússia”, afirmou Lula.
Os ataques israelenses à Faixa de Gaza já teriam matado mais de 40 mil pessoas. Israel começou a ofensiva depois de atentados do grupo extremista Hamas, no fim do ano passado, matarem 1,4 mil em território israelense. No caso do conflito com o Hezbollah, a comunidade internacional teme uma possível entrada do Irã, aliado do grupo sediado no Líbano.
Banco do Brics e moeda comum
Lula também citou a presidência de Dilma Rousseff no Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o Banco dos Brics, ao criticar os países mais ricos, destacando as linhas de crédito da instituição comandada pela brasileira.
“O fluxo financeiro continua seguindo para as nações ricas. É um Plano Marshall às avessas, em que as economias emergentes em desenvolvimento financiam o mundo desenvolvido”, criticou Lula.
“O novo Banco de Desenvolvimento que neste ano completa 10 anos tem investido na infraestrutura necessária para fortalecer nossas economias e promover uma transição justa e soberana. Sobre a liderança da companheira Dilma Rousseff, o NDB conta com uma carteira com quase 100 projetos com financiamento na ordem de US$ 33 bilhões”, prosseguiu.
O petista voltou a defender um debate sobre meios alternativos de pagamento para transações entre países do bloco, que eliminariam o dólar como moeda única.
“Agora é chegada a hora de avançar na criação de meios de pagamento alternativos para transações entre nossos países. Não se trata de substituir nossas moedas, mas é preciso trabalhar para que a ordem multipolar que almejamos se reflita no sistema financeiro internacional. Essa discussão precisa ser enfrentada com seriedade, cautela e solidez técnica, mas não pode mais ser adiada”, disse Lula.
Marco internacional contra empresas
Sem citar nomes, o presidente brasileiro também disse ser necessária a criação de um marco internacional que permita aos governos prevalecerem contra empresas.
“Precisamos fortalecer nossa capacidade tecnológica e favorecer a adoção de marcos multilaterais não excludentes, em que as vozes dos governos preponderem sobre interesses privados”, disse o presidente.
Lula e integrantes do seu governo vêm criticando multibilionário Elon Musk, dono do X, que tem atacado instituições brasileiras e chegou a descumprir ordens do Supremo Tribunal Federal (STF).
Mais dinheiro contra mudanças climáticas
Ao falar das mudanças climáticas, Lula cobrou mais dinheiro dos países desenvolvidos, dizendo que precisam contribuir mais para compensar a poluição com o maior volume de emissão de gases tóxicos por causa de suas indústrias.
“O Brics é ator incontornável no enfrentamento da mudança do clima, não há dúvida de que a maior responsabilidade recai sobre os países ricos, cujo histórico de emissões culminou na crise climática que nos aflige hoje. É preciso ir além dos 100 bilhões [de dólares] anuais prometidos e não cumpridos e fornecer medidas de monitoramento dos compromissos assumidos”, afirmou Lula.
Aliança global contra a fome
O presidente brasileiro lembrou que o Brasil sediará a Cúpula do Clima (COP) de 2025, em Belém (PA) e falou sobre a presidência rotativa do G20.
“Quero agradecer o apoio que os membros do grupo têm estendido à presidência brasileira do G20. Seu respaldo foi fundamental para avançar em iniciativas que são fundamentais para a redução das desigualdades, como a taxação dos super-ricos. Nossos países implementaram nas últimas décadas políticas sociais exitosas, que podem servir de exemplo para o resto do mundo”, afirmou Lula.
“A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza já está em fase avançada de adesões. Convido todos a se somarem à iniciativa que nasceu no G20, mas está aberta a outros participantes”, emendou o presidente brasileiro.
“Na presidência brasileira dos Brics, queremos reafirmar a vocação do bloco na luta por um mundo multipolar e por relações menos assimétricas entre os países. Não podemos aceitar a imposição de apartheids no acesso à vacina e medicamentos como ocorreu na pandemia, nem no desenvolvimento de inteligência artificial que caminha para se tornar privilégio de poucos”, completou.
Lula conversou com Putin por 20 minutos
Iniciada na terça-feira, a 16ª Cúpula dos Brics termina na quinta-feira (24). Na terça, Lula conversou por telefone com Putin. No diálogo, que durou cerca de 20 minutos, os dois falaram sobre o ingresso de mais países no Brics.
Esta é a primeira cúpula do Brics com a nova composição do bloco, que foi ampliado no ano passado, com a inclusão de mais cinco países. Fundado em 2014, a entidade reunia apenas Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Em 2021, foram incluídos Bangladesh, Emirados Árabes e Egito. Em 2023, houve consenso para que outros cinco entrassem: Argentina, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos e Irã.
Brasil e China tentam plano de paz para Ucrânia
Em Kazan, que fica a cerca de 700 km a leste de Moscou, Lula e Putin teriam o primeiro encontro durante o terceiro mandato do brasileiro. Em setembro, eles conversaram por telefone sobre uma proposta conjunta do Brasil e da China para acabar com a guerra na Ucrânia.
Brasil e China elaboraram proposta de paz para encerrar a guerra entre Rússia e Ucrânia. Ela tem seis pontos, entre os quais uma conferência internacional “que seja reconhecida tanto pela Rússia quanto pela Ucrânia, com participação igualitária de todas as partes relevantes”.
A proposta também engloba a rejeição ao uso de armas de destruição em massa e aos ataques contra usinas nucleares – e rechaça a “divisão do mundo em grupos políticos ou econômicos isolados”.
Os termos do documento, no entanto, foram rejeitados pelo presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski – que chamou a proposta de destrutiva – e por aliados de Kiev no Ocidente. Para eles, a posição sino-brasileira premia a Rússia e autorizaria a Rússia a anexar territórios ocupados.