O deputado federal mineiro Delegado Marcelo Freitas (União Brasil) protocolou, no fim de maio, um projeto de lei que pretende obrigar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), parlamentares do Senado e da Câmara Federal, juízes, desembargadores, membros do Ministério Público, conselheiros dos Tribunais de Contas e ministros de Estado a usarem câmeras corporais, similares às usadas por policiais e agentes da segurança pública. O objetivo é “protestar” contra a determinação editada pelo Ministério da Justiça que impôs o uso do equipamento por todas as forças de segurança no país.
De acordo com o parlamentar, há uma “grande celeuma” no Brasil em relação ao uso de câmeras corporais por policiais e o projeto de lei é uma forma de ampliar o debate sobre a medida do governo federal. “(A utilização dos dispositivos) coloca a perspectiva de que só existe um tipo de criminalidade, a do policial corrupto ou violento. Mas existe outro tipo de criminalidade que é aquela que envolve corrupção e as articulações políticas em Brasília. A corrupção mata muito mais do que a ação de um policial”, argumenta. “Queremos mostrar que se há necessidade do policial ter as câmeras corporais, também há necessidade de outros agentes públicos usarem”, defende.
O texto determina que os chefes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário sejam excluídos das obrigações de usar o dispositivo. Com isso, o presidente da República, os presidentes da Câmara e do Senado e o presidente do STF estariam livres da medida. Questionado sobre o porquê da exclusão, Freitas disse que, pela posição que ocupam, as autoridades não deveriam usar câmeras corporais. “Essas pessoas fazem parte do topo da estrutura de poder no país. Quem é que controlaria o chefe do poder Executivo? Quem estaria acima do poder Legislativo? Como não existe uma instância superior, eles não devem ser incluídos”, destaca.
O parlamentar foi questionado, ainda, sobre possíveis problemas com a privacidade das informações coletadas pelas câmeras, que deveriam, conforme o projeto de lei, ser armazenadas em local seguro por 360 dias. “Porque não se discute isso na questão dos policiais? Se essa regra vale para um servidor público porque não valeria para o outro? porque não discutimos a invasão de privacidade de um policial?”, afirma. A determinação do Ministério da Justiça prevê que policiais possam desligar as câmeras em momentos íntimos durante a jornada de trabalho.
Especialista não vê eficácia em medida
O sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Michel Misse, diz que o uso de câmeras por agentes políticos e públicos não faz sentido como medida de enfrentamento à criminalidade. “Se o congresso decidir racionalmente vai rejeitar esse projeto, evidentemente. É absolutamente contrário à necessidade de melhor controle sobre a atuação da polícia ostensiva. Qual a razão de se defender as câmeras nos policiais? É que os policiais são a força ostensiva do Estado, têm o direito de portar armas de guerra, extremamente letais, ao contrário dos ministros do Supremo, ao contrário dos senadores”, defende.
Segundo o especialista, a função das câmeras é, simultaneamente, proteger os policiais em casos em que seja necessário produzir provas para sustentar sua inocência, quanto prevenir abusos das forças de segurança. “Já foi demonstrada a efetividade quando foi utilizado em São Paulo. Um delegado não querer que uma câmera permita tanto sustentar a inocência de um policial quando age dentro da lei, quanto testemunhar contra um policial que age fora da lei, não faz sentido”, completa.
Câmeras corporais em policiais
No dia 28 de maio, o governo federal divulgou uma portaria que detalhou as 16 diretrizes para o uso de câmeras corporais por policiais no Brasil. O documento, assinado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, determinou que todos os órgãos se segurança pública no país implementem o uso dos dispositivos. De acordo com a pasta, a principal finalidade é assegurar tanto a eficácia profissional quanto o respeito aos direitos e garantias fundamentais.
Esta portaria estabelece as diretrizes sobre o uso de câmeras corporais pelos integrantes dos seguintes órgãos de segurança pública: Polícia Federal; Polícia Rodoviária Federal; Polícia Penal Federal; Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; Corpos de Bombeiros Militares dos Estados e do Distrito Federal; Polícias Civis dos Estados e do Distrito Federal; Polícias Penais dos Estados e do Distrito Federal; Peritos de Natureza Criminal dos Estados e do Distrito Federal; Guardas Municipais; Força Nacional de Segurança Pública e Força Penal Nacional.
Veja as situações em que as câmeras devem estar obrigatoriamente ligadas:
- No atendimento de ocorrências;
- Nas atividades que demandem atuação ostensiva, seja ordinária, extraordinária ou especializada;
- Na identificação e checagem de bens;
- Durante buscas pessoais, veiculares ou domiciliares;
- Ao longo de ações operacionais, incluindo aquelas que envolvam manifestações, controle de distúrbios civis, interdições ou reintegrações possessórias;
- No cumprimento de determinações de autoridades policiais ou judiciárias e de mandados judiciais;
- Nas perícias externas;
- Nas atividades de fiscalização e vistoria técnica;
- Nas ações de busca, salvamento e resgate;
- Nas escoltas de custodiados;
- Em todas as interações entre policiais e custodiados, dentro ou fora do ambiente prisional;
- Durante as rotinas carcerárias, incluindo o atendimento a visitantes e advogados;
- Nas intervenções e resolução de crises, motins e rebeliões no sistema prisional;
- Nas situações de oposição à atuação policial, de potencial confronto ou de uso de força física;
- Nos sinistros de trânsito;
- No patrulhamento preventivo e ostensivo ou na execução de diligências de rotina em que ocorram ou possam ocorrer prisões, atos de violência, lesões corporais ou mortes.