A ditadura da Coreia do Norte explodiu, nesta terça (15/10), as principais rodovias que ligavam seu território ao da vizinha ao Sul, consolidando a separação física dos países que vivem há mais de 70 anos sob um tenso armistício.
O movimento vem após a capital Pyongyang decretar, no ano passado, a Coreia do Sul como um “Estado hostil”, iniciando um processo de apagamento dos sinais em prol da unificação da península, dividida pela guerra de 1950 a 1953.
Foram detonadas por volta das 12h (0h em Brasília) as rodovias de Gyenongui e Donghae em seus trechos em solo norte-coreano, a meros dez metros da linha de demarcação militar entre os dois rivais. Escavadeiras completaram o serviço, segundo mensagem do Estado-Maior sul-coreano.
Os militares de Seul dispararam tiros de advertência em protesto ao longo da Zona Desmilitarizada que separa os dois países. Não está claro se trechos ferroviários foram afetados. Em 2017, a ligação entre os dois países foi refeita para serviço limitado de carga e passageiros, que na prática nunca funcionou.
A pandemia fechou de vez a Coreia do Norte, que retomou o regime de testes de mísseis balísticos com capacidade nuclear para pressionar os EUA, fiadores de Seul, a voltar à mesa de negociações após as tentativas frustradas de conversas promovidas pelo então presidente Donald Trump em 2018 e 2019.
A resposta norte-americana foi outra, acelerando a integração militar com Seul e dando assento aos aliados no seu programa de tomada de decisões em caso de guerra nuclear na península. A Coreia do Sul não abriga mais armas atômicas americanas, como na Guerra Fria, e o Norte tem estimadas 50 ogivas que o ditador Kim Jong-un gosta de propagandear.
O clima azedou de vez com a declaração de inimizade do ano passado. As rodovias e, particularmente, a ferrovia ao longo da linha Gyenongui eram símbolos da boa vontade entre os regimes rivais.
No ano passado, Pyongyang disse ter avisado os EUA de sua intenção de separação física da ligação com o sul, “para evitar julgamento incorreto e conflito acidental”. Na prática, o parco tráfego na região já estava encerrado em agosto.
Do ponto de vista militar, há o simbolismo de buscar impedir uma rota fácil de entrada de tropas, mas o fato é que uma guerra hoje seria provavelmente concentrada em poder aéreo, mísseis e artilharia.
Em 2020, em plena pandemia, os norte-coreanos já haviam explodido o escritório de ligação entre os dois países na área fronteiriça de Kaesong. Na ocasião, a acusação era de que desertores da ditadura enviavam panfletos contra o regime rumo Norte – desde 1950, cerca de 30 mil norte-coreanos fugiram para o Sul.
Na sexta (11/10), sua poderosa irmã, Kim Yo-jong, acusou Seul de enviar drones para espionar diretamente a capital de seu país, alertando para “um desastre horrível” se isso ocorresse novamente.
A tensão atual ajuda a colocar Kim em evidência em um momento em que o mundo está com os olhos voltados para o Oriente Médio e para a Ucrânia. O ditador, que assinou com a Rússia de Vladimir Putin um pacto de defesa mútua neste ano, tem aprofundado as conversas com Moscou.
Segundo disse, nesta terça, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, o tratado de cooperação estratégica com os norte-coreanos, que ainda está sendo elaborado, irá cobrir “todas as áreas” – levantando sobrancelhas no Ocidente e na China acerca da transferência de tecnologias avançadas na área nuclear e espacial russas.
Na mão contrária, os norte-coreanos enviam, segundo o Ocidente, munição e mísseis para a Rússia empregar na Ucrânia, algo que nem mais é disfarçado por Moscou. No fim de semana, o presidente Volodimir Zelenski foi além, dizendo que há soldados de Kim atuando nas regiões ocupadas de seu país, sem apresentar provas.
(Igor Gielow/Folhapress)