Horas após conquistar Damasco, o líder rebelde Abu Mohammed al-Jolani, 42, fez sua primeira aparição pública na Mesquita Omíada, um marco da cidade, declarando a queda de Assad como “uma vitória para a nação islâmica”. Ele também disse que não há espaço para voltar atrás na deposição do regime, e que a da HTS (Organização para a Libertação do Levante, na sigla em árabe) está determinada a continuar a revolta que eles começaram em 2011, na Primavera Árabe.
Rebeldes comemoraram a chegada do líder a Damasco, capital da Síria. Ao chegar à cidade, ele se prostrou e beijou o chão, anunciou a coligação rebelde em sua conta no Telegram. As imagens mostram o chefe do Hayat Tahrir al-Sham (HTS) abaixado sobre um gramado.
O líder foi à famosa Mesquita dos Omíadas, ou a Grande Mesquita de Damasco, onde discursou. Ao entrar na icônica mesquita da Cidade Velha, ele foi saudado por uma multidão que gritava “Allah Akbar” (“Deus é maior”, segundo vídeos que circulavam no país).
Ao se dirigir aos aliados, usou seu nome verdadeiro, não o de guerra. O líder falou como Ahmed Hussein al-Shara e disse às centenas de pessoas que Assad havia feito da Síria “uma fazenda para a ganância do Irã”.
Jolani citou os refugiados sírios em sua fala, que se afogaram tentando chegar à Europa. “Quantas pessoas foram deslocadas pelo mundo? Quantas pessoas viviam em tendas? Quantas se afogaram nos mares?”, disse.
“Uma nova história, meus irmãos, está sendo escrita em toda a região após esta grande vitória”, disse ele. Seria preciso muito trabalho para construir uma nova Síria, que ele disse que seria “um farol para a nação islâmica”.
QUEM É LÍDER QUE DERRUBOU ASSAD
Abu Mohammed al-Jolani é chefe do grupo islamista Organização para a Libertação do Levante (Hayat Tahrir al-Sham, ou HTS). Derrubar Assad era o objetivo declarado de Jolani, como reiterou numa recente entrevista à emissora americana CNN. “Esse regime está morto”, disse.
Jolani nasceu em 1982 em Ryad, na Arábia Saudita, dentro de uma família abastada. Em 1989, a família retornou à Síria, e Jolani foi criado em Mazzeh, um bairro nobre de Damasco. O pai trabalhava em instalações de petróleo sauditas e era um opositor secular do regime de Assad. Ele passou muitos anos em prisões sírias antes de se exilar na Arábia Saudita.
Durante a recente ofensiva rebelde, Jolani começou a assinar suas declarações com seu nome verdadeiro, Ahmed Hussein al-Shara. Em 2021, ele disse à emissora americana PBS que seu nome de guerra era uma referência às raízes de sua família nas Colinas de Golã, alegando que seu avô havia sido forçado a fugir após a anexação da área por Israel, em 1967.
Após os ataques de 11 de setembro de 2001, Jolani foi atraído pelo pensamento jihadista. Ele demonstrou admiração pelos terroristas do 11 de Setembro e começou a participar de sermões secretos e painéis de discussão nos subúrbios marginalizados de Damasco.
Após a invasão do Iraque liderada pelos EUA, ele deixou a Síria para participar da luta. Ele se uniu à Al Qaeda no Iraque, liderada por Abu Musab al-Zarqawi, e foi posteriormente detido por cinco anos, o que o impediu de subir na hierarquia da organização jihadista. Em março de 2011, quando a revolta contra o governo de Assad eclodiu na Síria, ele retornou com a tarefa de fundar a Frente Al Nusra, a filial síria da Al Qaeda.
Naquela época, Jolani cooperava com Abu Bakr al-Baghdadi, chefe do grupo Estado Islâmico no Iraque. O grupo também era ligado à Al Qaeda e que mais tarde viria a se tornar o grupo Estado Islâmico. Em 2013, quando Baghdadi anunciou repentinamente que seu grupo estava cortando relações com a Al Qaeda, Jolani se recusou a segui-lo e, em vez disso, jurou lealdade a Ayman al-Zawahiri, da Al Qaeda.
Em 2015, Jolani disse que, ao contrário do Estado Islâmico, não tinha intenção de lançar ataques contra o Ocidente. Em 2016, ele cortou os laços com a Al Qaeda, argumentando que isso tirava do Ocidente argumentos para atacar sua organização. Ele também proclamou que, caso Assad fosse derrotado, não haveria ataques de vingança contra a minoria alauíta, da qual o clã do presidente é originário.
NAS SOMBAS
Após conquistar a capital, Damasco, sem resistência do Exército do regime, Jolani, que passou a usar seu nome verdadeiro, Ahmed al-Sharaa, visitou a mesquita da Omíadas, a maior da capital e o quarto local mais sagrado do mundo para os muçulmanos, onde foi recebido por uma multidão que, em árabe, celebrava o momento aos gritos de “Deus é grande”.
Apesar de suas intenções ainda não estarem completamente claras, Sharaa é descrito por analistas como um extremista que, desde 2016, quando rompeu relações com a Al Qaeda, adotou uma postura mais moderada para alcançar seus objetivos.
Durante anos, o líder rebelde agiu nas sombras. Mas agora se posiciona sob os holofotes, dando entrevistas a veículos internacionais e deixando-se ver na segunda maior cidade da Síria, Aleppo, após tomá-la completamente do governo pela primeira vez desde a guerra civil, em 2011.
Com o passar dos anos, ele também parou de usar o turbante típico dos jihadistas e deu preferência à indumentária militar.
“É um radical pragmático. Em 2014, ele estava no auge de sua radicalização”, afirmou à AFP Thomas Pierret, especialista em política islâmica, em alusão ao período da guerra em que tentou rivalizar com o grupo extremista Estado Islâmico. “Desde então, moderou sua retórica.”
Apesar do aparente sucesso do levante liderado por Sharaa, o futuro da Síria sob seu comando é incerto. A HTS não é um grupo homogêneo, mas uma coalizão de cinco milícias principais e seis secundárias, que têm desavenças entre si. A cidade de Daraa, simbólica por ter sido o berço da revolta síria em meio à Primavera Árabe, foi tomada por um grupo que só se juntou aos enfrentamentos contra o regime na sexta-feira, por exemplo.
Além disso, o nordeste da Síria hoje é controlado por um outro grupo, associado aos curdos, uma minoria étnica com um longo histórico de inimizades com a Turquia – que, por sua vez, apoiou o levante da HTS. Recep Tayyip Erdogan acusa a facção de ser ligada ao PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), organização separatista que seu governo classifica de terrorista.
(FOLHAPRESS)