Eles servem de complemento da rede de logística de encomendas e permite a empresas levar seus produtos a locais de difícil acesso para motos, carros e caminhões
De norte a sul, o Brasil tem mais de 20 milhões de ruas, avenidas, travessas, estradas e rodovias. Parte delas, 2,7 milhões, não tem sequer nome oficial, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Mas tem gente transitando, morando nesses locais e, provavelmente, com demanda por entregas. Se os produtos vão chegar aos destinos, depende do acesso ou da tecnologia empregada para isso. Muitas vezes, “falta chão” ou sobram buracos e empecilhos para os 2,16 milhões de caminhões e 320 mil motoentregadores, que oficialmente rodam pelo país, conforme dados do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea). Aí pode entrar um auxílio do céu, e os drones se tornam opção para fazer vários tipos de produtos chegarem a quem precisa. De comida a material genético, os veículos aéreos não tripulados se tornaram alternativa aos congestionamentos e caminhos pouco estruturados, com redução de tempo e zero emissão de gás carbônico. Uma realidade que parece ser “futurística”, mas já é bem real para quem investe no setor.
Segundo estudo da empresa alemã Drone Insights Industry (Droneii), o mercado de drones deve atingir US$ 41,3 bilhões até 2026. O valor equivale a um crescimento de 12% comparado com os US$ 36,8 bilhões estimados para este ano. O Brasil é destaque da área na América Latina, com faturamento anual de US$ 373 milhões. O setor é dividido em três segmentos principais: serviços, hardware (com foco no pleno funcionamento dos componentes eletrônicos e tecnologia embarcada) e software (instruções para que o equipamento faça determinado trabalho). A área de serviços inclui carga, transporte, logística, armazenagem, além de soluções para agricultura, construção, entre outros setores, e representa 79% do mercado de drones.
Impulso na pandemia
Ao impedir contatos presenciais, a pandemia serviu como uma alavanca para o e-commerce e levou varejistas e transportadores de todo o mundo a buscar soluções. Foi nessa fase que o mercado de entregas via drones passou a fazer mais sentido ainda para algumas empresas, como uma espécie de complemento da rede existente. A Amazon já apostava nisso desde 2013 nos Estados Unidos, mas ainda de forma limitada. No dia 30 de maio deste ano, a empresa recebeu autorização da Administração Federal de Aviação para operar drones além da linha de visão, ou seja, sem que o operador veja o equipamento. O fim de uma barreira legislativa importante para a empresa fazer planos mais ousados de expansão da modalidade. Na China, as entregas por veículos não tripulados são testadas desde 2017, e, há quase dois anos, foram criadas rotas regulares.
No Brasil, o iFood foi a primeira empresa a ter autorização da Agência Nacional de Aviação (Anac) para usar drone em delivery, em parceria com a Speedbird. Foram feitos testes em Campinas (São Paulo) e Aracaju (Sergipe). Eles podem entregar cargas de até 2,5 kg e percorrer rotas de até 3 km. Em nota, o iFood explica que, por enquanto, “esse formato de entregas é adequado para áreas que concentram adensamentos pontuais, como condomínios residenciais próximos de centros de compras em regiões de menor verticalização urbana”. O grupo mantém estudos para entender em quais mercados essa opção pode ser interessante e viável. Por enquanto, ele tem uma rota intermunicipal de entrega em Sergipe, entre as cidades de Aracaju e Barra dos Coqueiros. Um caminho complexo para motoboys, porque inclui travessia de coqueiral e rio por uma ponte em que ocorrem engarrafamentos por ser a única forma de acesso ao local.
Barreiras
Rios e mares são só exemplos de barreiras para entregas por chão. Pelas rodovias, os desafios são inúmeros. O Brasil tem 1,72 milhão de quilômetros de rodovias municipais, estaduais e federais, sendo apenas 12,4% deles pavimentados, segundo a pesquisa CNT Rodovias, da Confederação Nacional do Transporte. Em 111,5 mil quilômetros de rodovias analisados, 67,5% são regulares, ruins ou péssimos, conforme o mesmo levantamento.
Um custo pago por quem trafega por elas. “O Brasil é um país de dimensões continentais e com uma infraestrutura deficitária, já que ao longo dos anos não se investiu o necessário para abertura de novas estradas e ferrovias, nem para a manutenção desejada. São estradas de asfalto ruim, desenhos inadequados, o que oferece risco aos nossos motoristas. Nesse contexto, em longo prazo, os drones podem ser uma solução viável para encurtar distâncias nas regiões mais remotas”, avalia o diretor do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas e Logística de Minas Gerais (Setcemg), Antônio Lodi.
O cenário de dificuldade se estende ao contexto urbano e contradiz a exigência de agilidade de consumidores de delivery. Um levantamento feito pela SoluCX, especializada em pesquisa de satisfação, mostrou que a principal reclamação dos clientes de aplicativos de delivery é ligada à demora na entrega. Os dados são de 2022.
Enquanto isso, os entregadores correm contra o tempo para agradar à clientela e garantir os empregos em ruas cheias de problemas. “Muito buraco, partes sem asfalto, pregos espalhados. Uma vez, fui fazer uma entrega às 20h em um local que tinha 2 km de estrada de terra. A minha moto furou o pneu no meio do mato, o reboque não conseguia achar o local. Mesmo onde tem asfalto, as ruas estão irregulares. Isso causa muito prejuízo, danifica pneu, suspensão, até o quadro da moto parte por causa das ruas esburacadas”, relata Charles Batista Ferreira Souto, 36, motociclista há 16 anos na região metropolitana de Belo Horizonte.
Ele vê os drones como aliados e não descarta uma transição de carreira quando o mercado se popularizar. “Se for rentável, eu não pensaria duas vezes em trocar a motoca para ser operador de drone”, diz.
No que depender das empresas focadas no negócio, Charles já pode se preparar, porque será, sim, um mercado viável. Manoel Coelho, fundador e CEO da Speedbird Aero, empresa que produz e opera drones, conta que eles têm ajudado o governo na criação de regras no novo mercado e já têm negócios em estágio avançado. Um deles é a parceria com a J & T Express Brasil, empresa de logística e transporte, em entregas entre Caraguatatuba e Ilhabela, em São Paulo. A travessia entre os municípios, que pode levar até seis horas em alta temporada, é feita em oito minutos pelo céu. A expectativa é que eles transportem até setembro 15 mil encomendas pela rota criada neste ano.
Nos galpões
“Temos maior velocidade para verificar avarias nos estoques. Com o drone filmando em tempo real, fazemos a avaliação sem ter a necessidade de deslocamento de equipe”, exemplifica o diretor do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas e Logística de Minas Gerais (Setcemg), Antônio Lodi. Ele considera em médio prazo ser inevitável uma maior utilização dos drones no setor.