Há exatamente um ano, israelenses acordavam com rastros de fumaça no céu e dezenas de explosões em um ataque surpresa do grupo armado palestino Hamas. Israel reagiu e, desde então, milhares de pessoas morreram, outras ficaram gravemente feridas e o centro do conflito entre os dois, a Faixa de Gaza, foi arrasada. A troca de ataques levou a uma escalada na tensão do Oriente Médio, já marcado por conflitos históricos.
“O que distingue este conflito dos anteriores não é apenas o escopo da destruição, mas o direcionamento sistemático do que resta do tecido social de Gaza”, avaliou ao UOL o escritor palestino Mohammed Omer Almoghayer.
“Esta não é meramente uma operação militar, mas uma tentativa de aniquilar a possibilidade de recuperação, forçando Gaza a um prolongado estado de desintegração”, disse Mohammed Omer Almoghayer.
Números reforçam a avaliação do jornalista, que nasceu e cresceu em Gaza. A região perdeu 90% dos ativos agrícolas, sofreu uma queda de 81% no PIB e viu oito de cada dez empresas fecharem, segundo levantamento da ONU.
O estudo, feito entre 3 e 6 de setembro, mostrou que 66% dos edifícios na Faixa de Gaza foram danificados. “O desequilíbrio [entre Hamas e Israel] é total e todos os meios utilizados pelo governo Netanyahu levaram a um estado de ‘terra arrasada’. Acabaram com a Faixa de Gaza para destruir um grupo bem menor”, ressalta Pio Penna Filho, professor de relações internacionais da UnB (Universidade de Brasília).
Israel se defende das críticas pela destruição em Gaza. Em discurso na Assembleia Geral da ONU em 27 de setembro, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse que, se o Hamas “permanecer no poder”, vai se reagrupar e atacar os israelenses novamente. Ele também justificou os ataques recentes ao Hezbollah. “Continuaremos destruindo o Hezbollah até que todos os nossos objetivos sejam alcançados”.
Cerca de 42 mil pessoas foram mortas em Gaza desde o início do conflito e mais de 96 mil ficaram feridas, segundo o Ministério de Saúde palestino. A pasta é subordinada à Autoridade Nacional Palestina, mas Gaza é governada desde 2007 pelo Hamas. A ONU já expressou confiança nos números.
Já Israel contabiliza pouco mais de 1,2 mil pessoas mortas e cerca de 9 mil feridos durante o conflito. País tem, ainda, quase 100 reféns sob poder do Hamas em Gaza, sendo 33 corpos e, entre os 64 que continuariam vivos, 52 homens, 10 mulheres e duas crianças. A situação das vítimas é ainda uma justificativa do governo Netanyahu para a continuidade dos ataques.
“Israel está em movimento, e o eixo do mal está recuando. (…) Faremos tudo o que for necessário para continuar essa tendência, para atingir todos os objetivos da guerra, principalmente o retorno de todos os nossos reféns, e para garantir nossa existência e nosso futuro”, disse Benjamin Netanyahu, premiê israelense.
DESTRUIÇÃO DO HAMAS
No dia do ataque do Hamas, Netanyahu prometeu usar “toda sua força para destruir o Hamas”. Até o momento, o objetivo não foi alcançado, segundo especialistas, mas o movimento palestino está enfraquecido.
Diversas lideranças do grupo armado foram mortas desde o início do conflito. Um dos principais alvos foi o chefe da cúpula política do Hamas, Ismail Haniyeh, vítima de um ataque aéreo. Tel Aviv não confirma, mas também não nega a autoria da ofensiva.
Para Kai Enno Lehmann, professor da USP e pesquisador de crises internacionais, a permanência do Hamas na Faixa de Gaza pode indicar um fracasso relevante de Israel neste primeiro ano do conflito. “Nesse sentido, acho que seria uma certa vitória para o Hamas. Israel não perdeu, mas a situação fica mais difícil do que para o grupo palestino porque Netanyahu prometeu que o Hamas seria destruído”.
“Essas baixas no comando do Hamas não afetam a militância, mas, talvez, cause a curto prazo um fragmento em termos de ações do grupo. Talvez não tenham ataques elaborados como o que houve no dia 7 de outubro, talvez haja núcleos atuando na Faixa de Gaza, o que pode atrapalhar a vida dos soldados israelenses”, disse o professor Kai Enno Lehmann.
Omer Almoghayer acredita que a sequência de ataques de Israel contra os palestinos – que miram o Hamas, mas também atingem pessoas comuns – fortalece a narrativa do movimento. “A questão palestina, central para a discussão no Oriente Médio, é inflamada por essas incursões, pois destacam a questão mais ampla da ocupação de Israel e sua recusa em se envolver em soluções significativas e justas para a causa palestina”.
EXPANSÃO DO CONFLITO
Em 17 de setembro, explosões de pagers usados pelo grupo armado libanês Hezbollah deixou pelo menos 12 mortos. No dia seguinte, walkie-talkies também utilizados pelo movimento explodiram, matando pelo menos 25 pessoas. O grupo responsabilizou Israel pelos dois ataques, que não assumiu a autoria.
Desde então, o governo Netanyahu iniciou uma série de ataques contra o Líbano com a justificativa de proteger as comunidades israelenses no norte do país de ofensivas do Hezbollah na fronteira, já que o grupo é aliado do Hamas. As Forças de Defesa de Israel iniciaram uma ofensiva terrestre no Líbano, o que não acontecia desde 2006.
Como resposta, o Irã, que financia o Hamas e o Hezbollah, bombardeou Tel Aviv no último dia 1º de outubro. Israel disse que conseguiu neutralizar todos os ataques, apesar de vídeos compartilhados nas redes sociais mostrarem bombardeios atingindo o solo.
“Esses avanços podem enfraquecer um grupo momentaneamente, mas, inevitavelmente, fortalecem a determinação dos oprimidos, perpetuando o conflito ao invés de resolvê-lo”, analisou Omer Almoghayer.
“Veremos a expansão desse conflito, sem dúvida, mas a despesa será paga principalmente pelas populações civis em Gaza, Cisjordânia, Líbano e, possivelmente, Iraque e Síria”, disse Omer Almoghayer. O professor Lehmann acredita que Israel tem condições de manter os dois conflitos simultaneamente a curto prazo. “Porém, a longo prazo, essas guerras terão impacto tanto em termos de recursos humanos, quanto de opinião pública, principalmente se esses dois conflitos continuarem sem que haja resolução em relação aos reféns que ainda estão em Gaza”.
“Israel definiu muito mal seus objetivos nessa guerra contra o Hamas. O que seria uma vitória israelense? Israel vai ter que fazer alguma coisa com Gaza, nem eles sabem exatamente o que vão fazer. Mesmo se conseguissem destruir o Hamas, e depois? Isso me parece um grande perigo. Quem vai governar Gaza, reconstruir, o que fazer com as pessoas que vivem lá?”, disse o Professor Kai Enno Lehmann.
O Conselho de Segurança da ONU chegou a aprovar resoluções pedindo cessar-fogo no conflito entre Hamas e Israel, mas os dois não chegaram a um consenso. Em meio à expansão do conflito no Oriente Médio, o órgão internacional marcou uma reunião no último dia 2 de outubro, mas representantes dos países envolvidos nos conflitos trocaram acusações no encontro.
O pesquisador da USP diz ainda que pressões internas sobre Israel, como as exercidas pela ONU e até pelos EUA – aliados dos israelenses -, não influenciam a postura de Netanyahu devido à política interna. “Netanyahu se sustenta no cargo com apoio de partidos que nem consideram os palestinos como um povo que deve existir. Então, para eles, retomar a Faixa de Gaza seria uma coisa natural. Atores externos não conseguem falar com os atores internos de Israel. E, mesmo se conseguissem, não mudariam de ideia”, disse o professor Kai Enno Lehmann.
Uma pesquisa divulgada pelo canal 12, de Israel, no último dia 29 mostrou aumento na popularidade do partido Likud, de Benjamin Netanyahu, após os ataques no Líbano. O levantamento mostra que a sigla ganharia mais assentos no Legislativo do que qualquer outro partido, apesar de não projetar uma vitória geral para o Likud.
“Netanyahu entrou em uma espiral de que, se ele não continuar com os ataques, o governo cai porque ele só está se mantendo no poder por causa da guerra. Se acaba o conflito, ele terá que responder por muita coisa na Justiça. Nada melhor do que um inimigo externo para haver coalizão interna”, disse o professor Pio Penna Filho.
(FOLHAPRESS)