Em duas temporadas no Atlético, Paulinho colecionou gols, assistências e momentos especiais com companheiros e torcedores. Mas enquanto as atenções estavam sobre o jogador, nos bastidores, o irmão mais velho trabalhava discretamente. Na beira dos gramados dos estádios brasileiros e de outros países sul-americanos, o fotógrafo Romario Henrique acompanhou toda a trajetória do atacante do Galo registrando em fotos os lances, comemorações, alegrias, frustrações e dores inerentes ao esporte.
Foi na Alemanha, durante os anos em que Paulinho jogava pelo Bayer Leverkusen entre 2018 e 2022, que Romario Henrique deu seus primeiros cliques como fotógrafo esportivo. A carreira do irmão do jogador do Atlético começou despretensiosamente com uma câmera adquirida para registrar momentos especiais em família.
O incentivo para documentar a trajetória futebolística do irmão veio de um experiente fotógrafo, famoso por registrar imagens para craques da Seleção Brasileira como Vini Jr. e Rodrygo. Ricardo Nogueira, que mora há anos na Espanha, foi quem deu o pontapé na carreira de Romario.
“Já tinha esse feeling com foto desde criança, tirava fotos na escola, em eventos. Chegando lá na Alemanha fizemos um trabalho com uma equipe para o Paulinho. A gente quis montar uma série documental para ele. Aí chamamos um fotógrafo para fazer, o Ricardo Nogueira, ele é um cara bem referência em nosso meio. Tem uns 10, 11 jogadores só na Seleção. Todo jogo ele está.”, destaca Romario, em entrevista ao No Ataque.
Em uma visita à casa da família de Paulinho, Nogueira viu o equipamento e instigou Romario. “‘Você podia fazer os treinos dele aí’, ele disse. Aquilo me deu um estalo na hora porque realmente o meu irmão estava num momento complicado lá, jogando pouco, e a gente querendo movimentar a imagem dele usando parte de treino, mostrar nas redes sociais”, ressalta.
“Paulinho sempre foi um cara que treinou muito por fora. E lá eu tinha acesso também aos treinos do Bayer Leverkusen, coisa que não tem aqui no Brasil. Aqui os jogadores treinam fechado, só o fotógrafo do clube tem acesso. O Nogueira então disse: ‘Cara, você vai ter acesso que ninguém, nenhum outro fotógrafo tem, que é a parte pessoal do Paulinho. Então comecei”, explica.
Primeiro jogo ao lado do irmão
Pouco depois de registrar os treinos do irmão no CT e se preparar com a realização de cursos online, veio o primeiro desafio: fotografar o irmão em uma partida. Bayer Leverkusen contra Mainz, em casa, no fim da temporada, foi a estreia de Romario.
“Lembro que eu ainda não tinha minhas carteiras profissionais. E fui através da ajuda do clube mesmo. Mandei um e-mail para eles. Eles já me conheciam, sabiam que era irmão do Paulinho. Lá o credencimaneto é feito pelos clubes. Eles primeiramente me pediram para mandar a carteira de fotógrafo, mas eu não tinha. Foi a primeira vez, ia criar o portfólio ainda”, destaca.
Com as credenciais em mãos, Romario registrou Paulinho jogando e guardou na memória o apoio da família, que acompanhou de perto essa primeira experiência.
“Gostei muito do meu trabalho. Foi um jogo em que o Paulinho entrou e jogou uns 20 minutos. Fiz umas fotos bem bacanas dele”.
Com a experiência adquirida, Romario se profissionalizou cada vez mais e conseguiu, inclusive, o registro internacional para trabalhar como fotógrafo. Entre tantas partidas registradas, ele não se esquece de ter fotografado dois craques ainda em começo de carreira na Alemanha.
“Lembro de um jogo contra o Borussia. Vi o Bellingham iniciando. Vi o Haaland iniciando. Surreal! Com certeza tenho fotos deles no meu arquivo. Mas é algo que confesso, não me deslumbrava por já ter contato com outros jogadores da Seleção Brasileira com o Paulinho. Mas guardo a recordação de ter visto esses craques no início na Alemanha”.
Uma lente com história: enfrentando o racismo
Nem tudo foi fácil, no entanto, para Romario Henrique durante a jornada acompanhando o irmão. Ele relembra um episódio de racismo envolvendo sua família em uma loja de aluguel de equipamentos.
“Na Alemanha, tenho até uma história muito forte com a minha primeira lente profissional. Eu inicialmente alugava, porque não fazia todos os jogos. Alugava numa loja”, começou.
“Aí teve uma vez que eu fui alugar e era uma funcionária diferente, que nunca tinha visto a gente ali. Ela olhou para nós de forma diferente. A gente tinha que deixar um dinheiro de reserva, uma espécie de sinal de três mil euros, por segurança, para caso acontecesse algo com a lente. A mulher simplesmente olhou para a gente – meu pai, minha mãe e o Paulinho estavam comigo – e disse: ‘Não, vocês não têm condições de alugar’. Do nada! Expliquei que sempre alugava ali, mas ela insistiu que não tínhamos condição”, lamenta.
Romario contou que, no calor do momento, a família demorou a entender o que estava acontecendo. “Era uma alemã branca e loira. A gente não tinha se ligado na hora do que estava acontecendo. Minha mãe tem cabelo black. Minha mãe se ligou ali… Sempre alugamos naquela loja e agora não temos condição?”, questionou.
A situação mudou de rumo quando sua mãe decidiu acionar um funcionário do Bayer Leverkusen, responsável por ajudar os estrangeiros. “Ela ligou para o rapaz do Bayer que ajudava os estrangeiros, era um chileno. Minha mãe explicou para ele: ‘Acho que está havendo um preconceito aqui’. A funcionária não sabia quem era o Paulinho, mas ela não tem que fazer isso com ninguém. A função dela é dizer o valor do sinal e a pessoa é quem diz se tem condição ou não”.
Após o contato, a postura da funcionária mudou. “Esse rapaz do Bayer conversou com ela pelo telefone em alemão. O cara foi explicando para ela e a cara dela foi mudando de uma forma sem explicação. Ficou claro que era racismo mesmo. Ela ficou surpresa. Minha mãe, quando viu aquilo, falou: ‘Não vamos alugar mais nada’ e saímos da loja”.
A indignação da mãe de Romário transformou o episódio em um ato de resistência. “Tinha uma outra loja de fotografia do lado. Foi aí que minha mãe comprou minha lente. Na loja não tinha a lente 300, a que eu usava e não era tão boa assim como a 400. Ela comprou, um alto investimento, e falou: ‘Agora vamos voltar lá na outra loja e vamos mostrar que compramos’”.
Romario e Paulinho tentaram dissuadi-la, mas sem sucesso. “Eu e Paulinho na hora falamos: ‘Não, não, vamos voltar para o carro, a gente vai fazer isso não, pelo amor de Deus, mãe’. Minha mãe tem personalidade forte, ela segura mesmo a onda e teve esse feeling. Meu pai, o Paulo, é parceirão dela e os dois foram lá mostrar que não se pode fazer isso”.
Ao final, Romário reflete sobre o impacto do momento e a importância do gesto de sua mãe. “Foi o primeiro ato de preconceito que vimos na cara assim. E essa lente é a que eu uso até hoje nos jogos”.
A realidade do futebol brasileiro
De volta ao Brasil, a transição para os gramados nacionais trouxe desafios e momentos inusitados. No primeiro jogo de Paulinho pelo Atlético, no Independência, com chuva intensa, Romario descobriu que havia escolhido a cor errada para sua capa de chuva. “Era azul! No jogo do Galo! Nem me liguei nisso,” conta, rindo. A gafie rendeu brincadeiras, mas foi rapidamente corrigida: “Joguei fora a capa e nunca mais usei”.
A estrutura dos estádios brasileiros, no entanto, revelou-se mais complexa do que a dos europeus. “Na Alemanha, você chega de trem ao estádio. Aqui, é complicado, especialmente com o material caro que carregamos. Pode ser roubado a qualquer momento,” explica.
Romário não é apenas o irmão e o fotógrafo de Paulinho; ele é também um parceiro que ajuda a analisar o futebol com olhos estratégicos. “A gente sempre senta para rever o jogo. Falamos não só dele, mas de todo mundo. Futebol é altamente estratégico,” afirma.
Essa dinâmica se reflete na forma como os dois interagem. Romário não hesita em cobrar o irmão, enquanto Paulinho retribui com explicações táticas sobre as decisões tomadas em campo. “Ele me escuta demais. Mas coach é demais, né? (risos)”.
A fotografia, para Romário, é mais que uma profissão; é um meio de acompanhar a carreira de seu irmão. Mas ele sabe que não será para sempre. “Vou trabalhar por mais uns 15 anos com ele. Depois, quem sabe, cuido da parte mais burocrática,” planeja.
A notícia Por trás das lentes: conheça Romario, o olhar que acompanha Paulinho no Atlético foi publicada primeiro no No Ataque por Ailton do Vale