Há exatos 10 anos, o mundo testemunhava uma das mais surpreendentes goleadas da história do futebol: a humilhante derrota do Brasil para a Alemanha, por 7 a 1, na semifinal da Copa do Mundo de 2014, no Mineirão. Em um cenário que parecia surreal, mais de 58 mil pessoas assistiram in loco no Gigante da Pampulha à avalanche alemã com gols de Thomas Müller, Klose, Toni Kroos (duas vezes), Khedira e Schürrle (também duas vezes). Oscar descontou para a Seleção então comandada por Luiz Felipe Scolari, o Felipão.
Se por um lado o dia 8 de julho daquele ano ainda é lembrado como um pesadelo para nós, brasileiros, na Alemanha os torcedores guardam lembranças da data com carinho e certa dose de nostalgia. Esse é o caso do advogado André Ueckert, de 50 anos, nascido em Mönchengladbach, mas que hoje reside em Colônia ao lado da esposa mineira, Mariana. Ele se considera um grande fanático por aquele jogo.
A afeição de Ueckert pelo 7 a 1 é tamanha que o advogado guarda um tesouro inusitado na sua coleção de objetos futebolísticos. Emoldurada numa placa está uma “fatia” do Mineirão. “Ganhei um pedaço da rede de presente de um amigo, que a comprou em uma espécie de leilão filantrópico. Ele sabia o valor que eu daria àquele objeto. Também tenho a camisa oficial do jogo, com o número 13 do Thomas Müller e a referência à cidade de Belo Horizonte”, contou, à reportagem de No Ataque.
O 7 a 1 na perspectiva de um torcedor alemão
Até as memórias do pré-jogo entre Brasil e Alemanha estão vivas para André Ueckert. O torcedor relembra, inclusive, a tensão dos alemães antes da partida. O clima de expectativa estava no ar desde cedo, e ele descreve como foi difícil se concentrar no trabalho naquele dia.
“Todos tinham uma opinião sobre o jogo, todos queriam comentar, dar seu palpite. Posso lhe contar ainda hoje com detalhes tudo o que pensamos, consideramos, supusemos e discutimos, tamanha foi a intensidade da experiência”, disse.
“Parei de trabalhar na hora do almoço e a longa espera pela noite começou. Fui convidado para assistir ao jogo na casa de amigos em Düsseldorf. Nós nos reunimos várias horas antes do jogo, bebemos, comemos e assistimos a todas as reportagens pré-jogo na TV”, completou.
‘Coitados dos brasileiros’
Ueckert enfatiza que suas lembranças mais vívidas com a bola rolando são da euforia dos alemães com os três primeiros gols sendo marcados em apenas 24 minutos de jogo. Nesse momento, diversos brasileiros no Mineirão já eram vistos às lágrimas, incrédulos. Na Alemanha, entretanto, o sentimento mudou a partir do quarto e quinto gols, ainda no primeiro tempo.
“Minhas primeiras lembranças estão relacionadas à imensa euforia, nosso júbilo compartilhado, que estava no auge quando os três primeiros gols foram marcados, diminuiu um pouco no 4 a 0 e se transformou em descrença no 5 a 0. Será que isso realmente estava acontecendo e, ao mesmo tempo, o sentimento de pena dos coitados dos brasileiros, como deveria estar sendo difícil pra eles”, ponderou.
Contudo, o respeito da equipe alemã pelos brasileiros marcou o torcedor profundamente. “Não houve arrogância em campo, mas uma postura de humildade e de consolo honesto para com os jogadores brasileiros após o jogo, especialmente entre companheiros de time. Nunca me esquecerei, por exemplo, de como o fabuloso Toni Kroos deu seu imediato suporte ao Dante, que estava destruído. Isso me mostrou a verdadeira grandeza dessa equipe de 2014, da qual me lembro com orgulho e carinho”, ressaltou.
Brasil vai devolver o 7 a 1?
Quanto à possibilidade de o Brasil devolver a goleada algum dia, Ueckert é cético. “O futebol é um esporte imprevisível e não pode ser calculado com precisão. É sempre uma questão de probabilidades. Os times fazem tudo o que podem para maximizar a probabilidade de vitória. Isso é tudo o que podem fazer. Mas te digo com muita convicção que a probabilidade de o Brasil se vingar da Alemanha, com um resultado comparável, é extremamente baixa”.
“Mas, se por acaso vocês conseguirem esse feito um dia, terão todo o meu respeito e admiração. Teremos então, em ambos os países, realizado algo histórico. E eu de quebra ainda terei uma esposa que talvez consiga esquecer que vivenciou um traumático 7 a 1 ao vivo no Mineirão”, brincou.
Um pedaço da história
O pedaço da rede chegou até as mãos de Ueckert graças a um projeto social do Mineirão em parceria com o Consulado Honorário da Alemanha em BH e a ONG alemã DAHW. Lançado em 2018, o programa Goleada do Bem também enviou para a Europa uma das traves utilizadas no estádio no 7 a 1.
Segundo a concessionária que administra o Gigante da Pampulha, mais de R$ 1 milhão arrecadados foram disponibilizados para beneficiar crianças de entidades que promovem o esporte como meio de inclusão social no Brasil.
Os interessados na Alemanha fizeram doações a partir de 71 euros. Em troca, ganharam um pedaço da rede do 7 a 1, que foi dividida em mais de 8 mil pedaços, tornando um símbolo de dor para os brasileiros em uma oportunidade de esperança e transformação social.
A trave, por sua vez, agora está exposta no Museu do Futebol de Dortmund, como um marco histórico de um dos jogos mais comentados do futebol mundial.
Três perguntas para o torcedor alemão
No Ataque: Antes da partida, você imaginava que a Alemanha venceria o Brasil tão facilmente? Qual era a sua expectativa para o jogo?
“Ninguém pensou que seria uma vitória fácil. Imagina, estávamos jogando contra o Brasil, no Brasil! A equipe alemã foi vista de forma muito crítica no início da Copa. Além disso, uma equipe europeia nunca havia vencido uma Copa do Mundo na América. Mas a equipe alemã se desenvolveu bem durante o torneio. Ouvi dizer que a atmosfera da equipe era ótima e que um verdadeiro e unido time cresceu junto na incrível atmosfera do Campo Bahia. Eu esperava um jogo equilibrado, torcia para que estivéssemos em boa forma no dia e para que jogássemos bem por um longo tempo. Queria acreditar que a sorte estivesse do nosso lado”.
NA: Entre vocês, na Alemanha, existia algum clima de revanche ou vingança contra o Brasil por causa da final da Copa do Mundo de 2002?
“Não. É claro que houve relatos sobre 2002 antes do jogo, mas não com esse sentimento de vingança. Jogamos um torneio ruim em 2002 e tivemos sorte de chegar à final contra adversários fáceis (Arábia Saudita, Irlanda, Camarões, Paraguai, EUA e Coreia do Sul). Perdemos contra a melhor equipe do torneio na época. Foi doloroso, mas tudo bem. Depois vieram as copas de 2006 e 2010, então as lembranças associadas à copa de 2002 já não eram tão presentes”.
NA: Você acredita que nesta segunda-feira a imprensa e os jornais da Alemanha relembrarão o 7 a 1 contra o Brasil? Como a imprensa esportiva trata aquele resultado hoje em dia? Seria o maior fiasco, vergonha ou decepção do Brasil na Copa do Mundo na opinião de vocês?
“Os jornais, a internet, a televisão – todas as mídias estão noticiando sobre o 7 a 1. Há documentários na televisão, muitos podcasts tratam do assunto. A imprensa também está contando a história de trás para frente, pois o resultado influencia a forma pela qual se conta uma história… “o inesquecível jogo em Belo Horizonte”. Um dia para se manter na memória. A contraposição entre os dois lados… a festa do futebol grandioso, de um lado… e do outro lado, o trauma dos brasileiros. Se estamos diante de um fiasco, constrangimento ou decepção? Prefiro ver como uma cicatriz no futebol brasileiro”.