REDAÇÃO – As promotorias de Justiça de Minas foram sensibilizadas para prevenir e combater as fraudes no cumprimento das cotas de candidaturas femininas nas eleições municipais, informou o coordenador do Observatório de Direitos da Democracia do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Emmanuel Levenhagen Pelegrini. A fala aconteceu nesta terça feira, 16 de julho, em audiência pública sobre o tema promovida pela Comissão de Mulheres da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH).
O debate abordou a baixa participação feminina nos legislativos e executivos das cidades mineiras, relatando os obstáculos que dificultam candidaturas de mulheres a cargos eletivos, a morosidade da Justiça para cassar candidaturas que fraudaram a cota de gênero e a dificuldade de se denunciar casos de transgressão às leis.
No debate, a vereadora Cida Falabella abriu a sessão ressaltando a necessidade de expandir o conceito de violência política para além da questão eleitoral e do exercício de cargos eletivos. “Precisamos colocar que a violência política de gênero é um crime, e queremos combater isso não só com quem está concorrendo a cargos na Câmara Municipal, mas também envolver lideranças comunitárias e periféricas, que não tem condição de receber a proteção que nós temos por sermos vereadores”, discursou.
Tanto Falabella quanto a também vereadora Iza Lourenço foram vítimas de ameaças em agosto do ano passado e desde então são acompanhadas por agentes de segurança.
A vereadora Flávia Borja destacou que a violência política de gênero envolve tanto o trabalho interno no parlamento quanto a circulação por espaços públicos e de articulação política. “Precisamos olhar para a violência que vem de fora e também a violência que sofremos aqui dentro. Eu quero ver mais mulheres no parlamento. Podemos ter mulheres de posições ideológicas diferentes, mas com respeito acima de todas as coisas”, disse.
Para ilustrar a violência política de gênero em Minas Gerais, a pesquisadora Marlise Matos, do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nupem) da UFMG, comparou as candidaturas femininas a cargos eletivos como uma corrida de obstáculos. Seja nas câmaras de vereadores ou nas prefeituras, o índice de mulheres ocupando cadeiras é muito baixo. Os dados coletados pelo Nupem mostram que 22% dos municípios mineiros não tem veredoras e outros 40% tem apenas uma mulher como representante da população no legislativo. No caso do executivo, apenas 7,5% das prefeituras é comandada por uma mulher. Quando se aborda a interseção de raça e gênero, o dado é ainda mais alarmante: dos 853 municípios mineiros, apenas um, São Gotardo, é administrado por uma mulher autodeclarada negra.
Além da cultura política tradicional, que valoriza homens brancos em espaços de poder, a pesquisadora apresentou dados que comprovam a preterição de candidatas mulheres pelos partidos políticos. A cota de gênero prevista na lei eleitoral é de um terço de postulantes femininas, fato que os partidos ignoravam até 2012. Nas disputas daquele ano, houve uma mudança de terminologia na legislação, com a troca da “reserva de vagas para mulheres” por “preenchimento das vagas por mulheres”. Embora a mudança tenha ampliado a participação feminina nas eleições municipais legislativas, ela não resultou em avanço significativo no percentual de mulheres vitoriosas.
Segundo a pesquisadora, parte do problema se explica pela falta de apoio das legendas: 80% de candidatas ouvidas por pesquisa de 2020 do Senado Federal se sentiram pouco ou nada apoiadas por seus partidos políticos. “O que mais ouvimos das lideranças partidárias é que a candidatura feminina não rende votos e que o investimento do fundo partidário em mulheres seria jogar dinheiro público fora”, relatou Matos.
A pesquisadora destacou ainda as chamadas candidaturas laranjas, que acontecem quando um partido político dissimula o processo eleitoral, registrando candidatas apenas para cumprir formalmente as exigências de cotas de gênero. Neste sentido, a professora atribuiu o crime de violência política de gênero também a estas fraudes nas cotas e cobrou posicionamento mais incisivo do Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
O acompanhamento do Nupem mostrou que as decisões derrubando candidaturas laranja tem acontecido apenas a partir da terceira instância, retardando a resolução dos problemas e permitindo que homens ocupem indevidamente vagas que deveriam ser de mulheres.
Complementando o debate sobre candidaturas laranjas, a assessora do Tribunal Superior Eleitoral e cofundadora da associação Visibilidade Feminina, Polianna Santos orientou as candidatas do pleito deste ano que se antecipem e cobrem dos partidos acesso ao fundo eleitoral e o direito de fazer campanha com recursos do partido.
Além disso, a assessora falou sobre a necessidade de as mulheres se apresentarem publicamente como candidatas, seja em redes sociais ou nas ruas, pedindo votos e documentando as atividades de campanha. Por fim, explicou que as prestações de contas precisam receber atenção especial desde o início do processo eleitoral. Em muitos casos, partidos se aproveitam do subfinanciamento de candidaturas de mulheres, incorporando às planilhas que seriam delas os gastos de campanhas masculinas que extrapolaram os limites individuais.
No mesmo sentido, Levenhagen reiterou que o Observatório dos Direitos e Democracia, do MPMG, definiu como prioridade para este pleito a prevenção e o combate às fraudes das cotas de gênero. O promotor de Justiça lembrou que os 304 promotores eleitorais de Minas Gerais receberam recomendação para que se atentem aos indícios de fraudes. “Nós recomendamos a todos os promotores que, se detectada a fraude, investiguem as ocorrências e ajuizem as ações cabíveis, visando a penalização dos autores e também dos beneficiários”, salientou.
Em relação ao combate à violência de gênero no exercício dos mandatos, Levenhagen lembrou que o MPMG tem Termo de Cooperação assinado com a Câmara Municipal e que foi preparado um fluxo simples e transparente de apresentação e tramitação de denúncias para este tipo de ocorrência.
A implantação de um canal objetivo e de procedimentos claros para denúncias de violência política é uma queixa recorrente das lideranças políticas femininas. “Em resumo, encaminharemos o caso para o promotor e para o delegado responsável. Daremos o apoio ao promotor para investigar e usaremos toda a estrutura do MPMG, acionando os grupos de atuação especial dos crimes cibernéticos e do crime organizado”, explicou.
O promotor ainda lembrou que o Observatório surgiu como resposta aos atentados antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Ele destacou que a violência política de gênero provoca danos similares ao Estado democrático de Direito, pois o desejo dos agressores é impedir que adversárias políticas exerçam os mandatos validados pela vontade popular.
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