Uma agência para tratar dos transportes terrestres em um Estado como Minas Gerais é uma iniciativa positiva, avaliam especialistas. Mas, para garantir que o esforço não seja perdido pelo caminho, a sugestão deles é que se gaste tempo e cuidado na elaboração e tramitação do projeto ainda na Assembleia Legislativa. Nada de correria, diz o professor Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral.
O especialista em logística e transporte é um defensor do lema que diz: “o que nasce torto dá problema, e depois é difícil de consertar”. Para ele é necessário que os deputados estaduais, que avaliam o projeto de criação da Agência Reguladora de Transportes de Minas Gerais (Artemig) desde 30 de outubro, fiquem atentos a pontos que garantam a autonomia da agência sem, no entanto, permitir que ela substitua funções do Estado.
“Primeiro, é a distância que tem que existir entre a agência reguladora e o órgão encarregado da função central de políticas. A agência não pode substituir, por exemplo, a Secretaria de Infraestrutura. Essa distância entre o órgão, autoridade reguladora, e os atores do Executivo e do Legislativo tem que ser mantida. O segundo risco é a própria força da agência reguladora. Ela pode ficar tão forte que começa a se comportar como um poder independente dentro do Estado, e isso não pode acontecer”, destaca Resende.
No guarda-chuva da Artemig estariam 15 contratos de concessão já assinados pelo governo estadual e todos os outros que forem sacramentados no futuro. O leque inclui desde o metrô de Belo Horizonte, passando pelos aeroportos da Pampulha e da Zona da Mata, seis contratos de rodovias privatizadas, um serviço de balsa e um trecho ferroviário administrados pelo Estado, além de todas as linhas de ônibus do transporte metropolitano da capital.
O professor e consultor Silvestre de Andrade, especialista em transporte e concessões, também alerta para o risco de sobreposição de funções e diz que essa questão tem que ficar bem delimitada no projeto. No entanto, ele acredita que qualquer risco eventual compensa o ganho de agilidade que o Estado poderia ter. “O Estado já tem hoje um conjunto de concessões bastante expressivo na área de transporte e precisa do concurso de uma agência reguladora, porque a administração dessas concessões não é uma coisa simples, não é trivial”, avalia Andrade.
“É preciso de alguém que acompanhe isso permanentemente, porque são contratos longos e com exigências e que precisam ser acompanhadas, que precisam ser monitoradas. Muitas coisas acontecem quando você faz um contrato de 25, 30 anos, você não sabe tudo que vai acontecer”, diz Silvestre Andrade.
Parte das funções que caberão à Artemig são desenvolvidas atualmente pelo Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) nas rodovias mineiras e pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) nas estradas federais. Na avaliação dos especialistas, a tendência é que, pelo menos em teoria, seja possível entregar um serviço melhor à população.
Entre as funções da futura agência está a gestão dos transportes de passageiro, tanto no metrô quanto nas linhas de ônibus do transporte metropolitano. Porém, na avaliação do professor Paulo Resende, a principal contribuição será para o transporte de cargas. “A agência vai ter um papel de destaque nas cargas e na integração rodoferroviária. Eu diria para você que esse vai ser o papel estratégico principal dela”, destaca.
Para CNT, órgão evita ingerência política
O presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa, acredita que a futura Agência Reguladora de Transportes de Minas Gerais (Artemig), caso realmente saia do papel, pode funcionar como um “escudo” contra influências políticas na gestão do setor de transportes no Estado. Mas ele lembra que o novo órgão precisará ser composto com indicações de qualidade. “Se forem bons (os nomes), será ótimo para o setor. Mas se forem indicações frágeis, será péssimo”, afirma Costa.
“O presidente Lula está aborrecido porque não pode mandar embora diretores da agência nacional (ANTT) que foram nomeados anteriormente. Mas é isso que a gente quer, que (a direção da agência) tenha estabilidade para dar continuidade no trabalho”, afirma o presidente da CNT.
Ele, no entanto, defende que a agência precisa se comportar também como órgão político. “Tem que ser pessoas (no comando da agência) que tenham competência e que tenham um perfil técnico e político, ao mesmo tempo. Porque nada pode ser muito técnico a ponto de não conseguir flexibilizar para atender à demanda”, diz. Para Vander Costa, esse perfil será o que vai garantir estabilidade e segurança jurídica para o setor de transportes em Minas Gerais.
O presidente da entidade explica que a expectativa do setor de transporte é que os projetos de infraestrutura dos governos federal e estadual movimentem Minas Gerais, o que reforça a necessidade de uma agência reguladora para o segmento.
“Estamos apostando que Minas Gerais vai virar um canteiro de obras daqui a 12 anos. Temos obras previstas na BR-381, na BR-040 para o Rio de Janeiro, na BR-040 para Brasília e na BR-116. A ideia de agência é positiva. Mas já tem que ser criada com critério, com independência”, destaca Vander Costa.