18/11/2024
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‘Se tivesse caído no meu peito, já era’, relembra fotógrafo < No Ataque

Nuremberg José Maria (foto: Arquivo Pessoal)

O fotógrafo Nuremberg José Maria, de 67 anos, conhecido como Berg, viveu momentos de horror durante a final da Copa do Brasil entre Atlético e Flamengo, no dia 10 de novembro, na Arena MRV, em Belo Horizonte. Ao ser atingido por uma bomba arremessada da arquibancada, ele sofreu um fratura exposta, passou por cirurgia e, agora, lida com o trauma físico e emocional causado pela violência. Em entrevista ao No Ataque, ele descreveu em detalhes o lamentável episódio no estádio do Galo.

Acostumado aos desafios do trabalho à beira do gramado, com mais de 20 anos de profissão, Berg conta que já havia enfrentado situações de hostilidade nos estádios do Brasil e em outros países, mas nada semelhante ao que ocorreu na Arena MRV.

“Eu já tinha tomado cervejada lá, inclusive [na Arena MRV]. Os profissionais de imprensa sabem como é. Direto acontece de sermos atingidos por copos cheios de cerveja, mas bomba? Nunca passei por uma situação como essa, é muito terrível”, disse.

Berg estava posicionado próximo ao portão sul, atrás do gol defendido pelo Flamengo, quando a explosão aconteceu. Ele explica que o caos no estádio começou após o gol marcado por Gonzalo Plata aos 36′ minutos do segundo tempo.

Fotógrafo foi atingido por bomba na Arena MRV - (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Fotógrafo foi atingido por bomba na Arena MRV(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

“Eu estava no portão sul, atrás do goleiro do Flamengo, quando o time fez gol. Eles [torcedores] começaram a jogar cerveja e depois as bombas. Veio uma bomba em minha direção, eu virei o rosto e ela explodiu. Desviei dela, se tivesse caído no meu peito ou pescoço já era… Consegui sair fora dessa bomba e nem sei de onde veio”, relatou.

Mesmo após escapar do impacto inicial, o perigo continuou. Quando tentou recolher seus equipamentos para ir embora, novos artefatos foram lançados.

“Quando fui pegar meu equipamento para ir embora, jogaram uma que explodiu o banquinho de um outro fotógrafo. Virei e pisei em uma outra que tinham jogado e não tinha visto. Tive fratura exposta em três dedos, além da ruptura do ligamento. Um corte muito profundo”, lamentou.

‘A bomba me arremessou’

Segundo Berg, a explosão foi tão forte que ele sentiu como se tivesse sido arremessado. O momento ficou gravado em sua memória de forma assustadora.

“Não sei se aquilo é bomba comprada… Parece bomba caseira, porque a explosão foi muito grande. No momento exato parece que até que subi, pelo menos foi a impressão que tive, ela me arremessou. Gritei pelo amor de Deus e fiquei caído. Teve até uma foto que viralizou em que eu apareço caído de boca aberta, parece até que tinha morrido. Naquela hora, estava gritando pedindo por socorro”, contou.

O socorro veio com novos desafios. Ele foi carregado por três bombeiras que trabalhavam na Arena MRV, mas precisou atravessar um longo caminho até chegar à enfermaria do estádio.

“Estava sangrando muito. O portão sul por onde passa a ambulância até o gramado estava trancado. Tive que passar no meio da arquibancada justamente de onde vieram as bombas. Achei um absurdo, mas com dor e todo arrebentado tive que aceitar porque era o único lugar que dava para passar. Andei muito até chegar na enfermaria da Arena MRV. Andando com o pé sangrando e chorando. Depois fui de ambulância para o João XXIII”, concluiu.

Fotógrafo ferido - (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Fotógrafo ferido foi carregado na arquibancada(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

Trauma e incertezas sobre o futuro

Além das dores físicas, o fotógrafo revelou o impacto psicológico que sofreu. A violência, somada às condições precárias de segurança no estádio, o levou a questionar seu retorno ao trabalho.

“Fiquei traumatizado com a situação. A princípio, me perguntaram se eu voltaria [a trabalhar com futebol] e eu falei que não porque minha família não queria que eu voltasse. Mas minha esposa sabe que eu amo essa profissão. Ela me deu muito apoio”.

O fotógrafo também compartilhou como encontrou forças para seguir em frente, mesmo enfrentando grandes desafios no passado.

“Já tive um problema de câncer em 2019 e fiz quatro anos de tratamento. Entrei em depressão e voltei a trabalhar porque é o que eu gosto. Minha esposa acha que eu devo voltar, mas não em jogos na Arena MRV porque lá não tem segurança. Falar nunca mais é um pouco forte, né? Mas enquanto tiver essa insegurança, pois ficamos a quatro, cinco metros da torcida, é muito perigoso e não acredito que eu volte lá. Já trabalhei em vários estádios do Brasil e da Europa e nunca vi isso. Os marginais fizeram isso e me deixaram numa situação dessa”.

Recuperação e esperança

O fotógrafo ainda tem um longo caminho pela frente antes de decidir se continuará trabalhando com futebol. Ele precisará de mais três ou quatro meses de recuperação. Ele ainda pode, inclusive, ser submetido a uma segunda cirugia. “Ainda vou decidir se eu volto a trabalhar com futebol. Mas na Arena MRV não penso em voltar não”, ponderou.

Enquanto se recupera, a história de Berg levanta uma importante discussão sobre a segurança nos estádios brasileiros. A Arena MRV, palco da tragédia, está interditada pelo STJD, e o Atlético trabalha para atender às exigências de segurança e voltar a mandar jogos no local.

O Galo terá de mandar os jogos em outro estádio, com portões fechados, até que o clube comprove mudanças necessárias para garantir a segurança no estádio. O Atlético recorre da decisão para poder utilizar a Arena MRV nos demais jogos em casa em 2024.

Suspeito está preso

O homem de 24 anos, suspeito de atirar a bomba que atingiu Nuremberg, foi preso nesse domingo (17/11), na casa onde mora em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Nesta segunda-feira (18/11), em coletiva de imprensa, o governador em exercício de Minas Gerais, Mateus Simões (Novo), revelou como as autoridades identificaram o criminoso.

“Identificamos a cena do arremesso da bomba no gramado. Começamos a construir a cadeia de trás para frente das imagens, identificando onde o agressor estava durante todo o jogo, qual o percurso dele dentro do estádio e como ele entrou. Até identificar, num primeiro momento, com quem ele tinha entrado no estádio”, iniciou Simões.

“Começamos identificando uma pessoa que estava com ele, fomos ouvindo testemunhas, obtendo novas imagens analisando os artefatos que tinham sido encontrados. Aí identificamos, na sexta-feira (15/11), feriado, definitivamente quem era o agressor. Apresentamos, ainda na madrugada, o pedido [de prisão] para o tribunal. Isso foi autorizado durante o final de semana e a prisão foi feita no último domingo” , concluiu.

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