24/11/2024
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Após 52 Anos, Dra. Vera Gaspar Se Despede Do Hospital Márcio Cunha

Após 52 Anos, Dra. Vera Gaspar Se Despede Do Hospital Márcio Cunha

Os últimos dias trouxeram uma despedida marcante ao Hospital Márcio Cunha (HMC). A médica pediatra, Dra. Vera Lúcia Venâncio Gaspar, após 52 anos de dedicação ininterrupta, encerrou seu ciclo de trabalho, deixando um legado de ética, profissionalismo e amor à medicina. Primeira pediatra a integrar a equipe do HMC, Dra. Vera se tornou referência na Pediatria, com atuações fundamentais na Unidade Intermediária Neonatal, UTI Neonatal e Pediátrica, destacando-se pela prevenção de infecções hospitalares e incentivo ao aleitamento materno.

Em uma carta emocionada, Dra. Vera agradeceu à comunidade, colegas, amigos e pacientes. “Encantei-me com o Hospital à primeira vista… Tinha acabado de fazer residência e obtido o título de especialista em Pediatria, quando conheci o Hospital. Agora, idosa, com coragem, comovida e já com saudades, encerro minhas atividades nesta honrada instituição”, trecho da carta.

A Fundação São Francisco Xavier, que celebra essa trajetória de excelência há 55 anos, deseja à Dra. Vera um futuro repleto de novas realizações e gratidão por tudo o que ela contribuiu ao longo dessas décadas. A despedida carrega admiração e respeito por sua marcante contribuição, visível na história do hospital e nas vidas que transformou.

Confira abaixo a carta na íntegra:

Carta à Comunidade do Hospital Márcio Cunha

Em 3 de janeiro de 1972, iniciei minha trajetória profissional neste Hospital. Gratidão ao Márcio Cunha, que me acolheu, jovem ainda, e onde permaneci durante 52 anos, 9 meses e 20 dias.

Naquele ano, o Hospital tinha apenas 6 anos e, apesar da pouca idade, tinha um firme ideal, sustentado em sólidos pilares. Já era conhecido na cidade e tinha seu trabalho reconhecido. Encantei-me com o Hospital à primeira vista. Identifiquei-me com sua organização, seus recursos e seu propósito de oferecer uma assistência de qualidade à população. Esse sentimento foi se consolidando e se fortificando a cada ano.

Tinha acabado de fazer residência e obtido o título de especialista em Pediatria, quando conheci o Hospital. Jovem, sonhando em exercer a profissão, iniciei o meu trabalho. Agora, idosa, com coragem, comovida e já com saudades, encerro minhas atividades nesta honrada instituição. 

Cheguei trazendo, na bagagem, projetos e sonhos. Criança, já havia escolhido minha profissão: queria ser médica. Por ocasião da formatura, meus colegas e eu, fizemos o Juramento de Hipócrates. Procurei, ao longo de todo esse tempo, cumprir aquela profissão de fé: usar todo o conhecimento e empenho para “prevenir a doença; curar o doente; aliviar a dor”.

O cuidado diário com as crianças enfermas logo me permitiu compreender, com muita clareza, que a puericultura é uma forma de proteger a vida. É a atuação preventiva de inúmeros agravos que podem acometer a criança e ao adolescente.

Estou certa de que, mesmo com todo avanço e todo conhecimento, o nosso olhar precisa continuar voltado para a humanização da prática médica, alicerçada na compaixão, no altruísmo, na empatia, na dedicação. O avanço tecnológico na medicina é indispensável, todavia não substitui o olhar atento que sonda a alma, o gesto carinhoso que minimiza a solidão, a palavra sábia que exorciza o medo e desperta o ânimo.

Até hoje, mora, ainda, dentro de mim, a recém-chegada, coração acelerado, emocionada com o primeiro trabalho, empenhada em concretizar o ideal e, que vê, agora, chegar o momento da partida.

Quero saudar meus colegas de trabalho e amigos, com cuja colaboração sempre contei. Companheiros de jornada, repartimos o sonho e a responsabilidade. Sei que, para se tornar realidade, o sonho precisa ser abraçado por todos. Agradeço à Fundação São Francisco Xavier por ter me aberto as portas, ter me proporcionado oportunidade de trabalho e de realização de tantos projetos.

Reconheço que, se tenho a honra e a alegria de fazer parte do quadro clínico do Hospital Márcio Cunha, há mais de cinco décadas, é porque, ao longo desses anos, tenho contado com a confiança e o apoio da Direção. E, por isso, quero agradecer ao Diretor, Dr. Alexandre Silva Pinto, em nome do qual manifesto minha gratidão aos que o precederam na árdua tarefa de viabilizar, com excelência, o funcionamento do hospital.

Sou grata ao apoio e à colaboração dos colegas Pediatras e dos colegas das várias outras Especialidades que me auxiliaram a conduzir o tratamento de muitos pacientes, com disponibilidade e competência. 

Sou grata às Pessoas da Áreas Assistencial e às da Área Administrativa. Vocês fazem diferença: competentes, comprometidos, disponíveis, atentos. 

Sou grata aos residentes. Ensinar, ofício prazeroso; atividade estimulante, envolvente e estímulo ao estudo.

Sou grata aos pacientes e suas famílias, razão maior da existência do Hospital, e propósito maior do nosso ofício. Vocês confiaram em nosso trabalho e em nosso conhecimento, levando-nos, cada vez mais, a estudar e buscar solução para tantos desafios. Os pacientes são parte fundamental da alegria que carrego. 

Agradeço aos demais valiosos e queridos amigos que não foram nomeados, mas que, com presença amorosa, caminham comigo. 

História tecida a muitas mãos, construída pela soma de muitos sonhos e empenho de muita gente. Raízes sólidas, mas flexíveis, dispostas a buscar, continuamente, seiva nova. Troncos resistentes, e, como os ipês, a doar suas flores a cada ano. 

Chegou o momento da despedida. Despeço- me, mas vocês vão junto comigo, estão no meu coração. Como em um filme, cenas de nossa convivência vão passando: o que está gravado na memória fica para sempre! 

Em 1990, foi lançado o filme Cinema Paradiso. A história, ambientada em uma pequena cidade da Sicília, celebra a amizade de um menino, Toto, e seu velho amigo projecionista, o Sr. Alfredo. Há uma cena em que o amigo já idoso, reconhecendo o talento do jovem e seu ideal de partir para a cidade grande para estudar cinema, ao se despedir, o aconselha: “Vai e não olha para trás”. 

Segui a sugestão e, por isso, despeço-me de vocês sem olhar para trás. Foi para ficar menos difícil. Sei que vão compreender. 

Já estou indo, procurando, nesse céu azul de Ipatinga, a claridade, fonte de esperança e prenúncio de vida. 

Obrigada. 

Vera Gaspar

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