22/11/2024
15:04

Rebeca Andrade reflete sobre o que falta na carreira e futuro pós-ginástica < No Ataque

Rebeca Andrade (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

O relógio toca cedinho e desperta Rebeca Andrade. Ela ainda não parou depois de fazer história em Paris. Mais de um mês desde que brilhou na Arena Bercy, a maior medalhista olímpica brasileira de todos os tempos vive uma rotina agitada em que concilia treinos, agendas comerciais e a preparação mental para a última competição do ano. Mas, entre um compromisso e outro, a ginasta de 25 anos aproveita para ir à praia, passear com os cachorros e viajar. Recentemente, aliás, fez um “bate e volta” em Belo Horizonte para encontrar as amigas do vôlei.

Nesta entrevista exclusiva ao No Ataque, lembra, aos risos, a rápida passagem pela capital mineira, conta bastidores dos Jogos Olímpicos, reflete sobre o que ainda falta conquistar na carreira e projeta uma participação bem diferente em Los Angeles 2028 – tudo, é claro, depois das merecidas férias.

Espero muito que a equipe não precise de mim, para que eu possa focar só nos aparelhos em que eu gostaria de ser especialista, que são salto e paralela. Se precisasse, eu faria a trave, mas também não é uma vontade minha. No momento, esse é o meu pensamento. No futuro, se Deus e eu sentirmos que meu corpo melhorou e a equipe precisar, eu faço o solo, claro, mas eu espero não precisar fazer.

Rebeca Andrade

A nova versão de Rebeca já deve começar a ser vista nesta sexta-feira (20/9), quando ela disputa as classificatórias do Campeonato Brasileiro de Ginástica Artística, em João Pessoa. O público que lotará o Ronaldão deverá presenciar a ginasta em ação apenas nos aparelhos escolhidos. Tudo para preservá-la fisicamente. De todo modo, será a chance de desfrutar da multicampeã em ação em solo nacional mais uma vez.

No Ataque: A maioria das pessoas te vê como uma super-heroína, por ser uma atleta de alto rendimento e ter conquistado tantas coisas. Como é a sua rotina em um dia comum de treinos? Você costuma sair aos fins de semana, aproveita para desligar um pouco?

Rebeca Andrade: Eu amo fazer coisas tranquilas, como ir à praia, ao cinema, fazer um passeio com os meus cachorros, sair com os meus amigos para jantar, almoçar, ou que eles venham até a minha casa para a gente ficar junto. Eu gosto muito. Meus fins de semana normalmente são os dias em que eu consigo fazer isso, porque a rotina no dia a dia é mais intensa, com muitos treinos, às vezes alguns trabalhos que a gente tem que ir encaixando, visitas ao médico, fisioterapia, psicóloga.

Então, na semana realmente fica difícil, mas os fins de semana são sempre para coisas bem tranquilas. Eu gosto sempre de cantar e dançar, então uso esses momentos para isso. E eu gosto muito de dormir. Muito mesmo (risos). Então, depois que eu faço um passeio longo com os meus cachorros, por exemplo, eu volto para casa e vou descansar. E o meu descansar é dormir muito. Adoro.


Lorrane Oliveira e Rebeca Andrade na praia

NA: Durante os Jogos Olímpicos, viralizaram as notícias sobre os seus pensamentos antes das competições, em que você disse que lembrava de receitas, séries. Como é essa preparação psicológica antes de uma apresentação? Qual a importância de ter o apoio de uma psicóloga?

RA: Eu gosto sempre de pensar em coisas tranquilas antes de me apresentar para que eu não fique nervosa. Às vezes, passo a série na minha cabeça; às vezes, estou pensando em receitas, em algum episódio da minha série. A Aline (Wolff, psicóloga do Comitê Olímpico Brasileiro) me ajudou muito a chegar a esse estado mental. Antigamente, eu ficava muito nervosa, tremia antes de me apresentar.

Com táticas dela, a gente foi conseguindo achar coisas que funcionam comigo para que eu foque só em mim e não me preocupasse com as coisas que estão acontecendo ao meu redor. Mas (me preocupasse) comigo mesma: em como eu gostaria de me apresentar, o que me deixava tranquila e me fizesse só curtir a competição, sem aquela cobrança de ‘meu Deus, tenho que subir no pódio, tenho que conseguir medalha’.

Isso é uma coisa óbvia. Todo atleta quer receber medalha, quer subir ao pódio. Mas para que isso aconteça, a gente precisa fazer uma boa competição. E a Aline estava ali do meu lado me ajudando a me acalmar, me tranquilizar, controlar o meu corpo, minha mente para que eu realizasse tudo o que eu gostaria dentro de uma competição. A gente conseguiu chegar a esse nível, graças a Deus e a ela também.

NA: Além disso, a gente sabe que você também começou a cursar psicologia. No pós-ginástica, você deseja atender pacientes mesmo, numa clínica? Ou pensa em seguir outra área?

RA: O futuro a Deus pertence, mas eu gostaria, sim, de trabalhar sendo psicóloga do esporte e também com pessoas que não são do esporte. São duas realidades diferentes, porque os atletas passam por outras situações. Mas, ao mesmo tempo, é muito parecido, porque algumas situações são parecidas. Ficou meio confusa essa resposta, mas é que na minha cabeça faz sentido (risos).

Espero poder trabalhar com a psicologia, mas não sei mais para frente. É uma profissão tão bonita e que mudou tanto a minha vida que eu gostaria de poder passar isso para outras pessoas também e aprender com elas. A gente sempre tem algo a mais para aprender. Sou apaixonada por psicologia.

NA: A gente tem acompanhado a sua aproximação e amizade com as jogadoras de vôlei, tanto em Paris, quanto quando você foi a BH e encontrou com algumas atletas. Você acompanha vôlei? Se sim, como surgiu esse interesse?

RA: As meninas são muito incríveis, cara. Sempre admirei demais, sempre torci demais. Não vou falar que eu acompanho todas as competições delas, porque seria mentira, já que minha rotina também é muito intensa, então é muito difícil acompanhar tudo. Mas sempre que eu tenho a oportunidade, estou torcendo, sim. Eu assisto pela TV. Porque a gente, que é atleta, sabe como é bom ter outras pessoas torcendo por nós, pessoas que entendem toda a nossa rotina e estão ali querendo o nosso bem e que tudo dê certo.

Eu consegui ficar mais próxima das meninas agora em Paris. Eu sou uma atleta um pouco mais fechada, então não falo muito com as pessoas, não saio muito. Agora, em Paris, eu me permiti viver cada coisinha. Então, eu falei com as meninas do vôlei, as meninas do handebol, pessoas de vários outros esportes. E foi muito, muito incrível, uma experiência maravilhosa.

Depois, quando elas me chamaram para ir a Belo Horizonte foi sensacional. Eu já tinha ido uma vez, mas eu era muito pequena, então não lembrava de muita coisa. Mas a gente já queria comemorar essa medalha, já estava no Brasil conversando: ‘Não, gente, a gente precisa comemorar a nossa medalha’. E elas: ‘Sim!’. Fui para BH e foi muito bom. Fiquei muito feliz de estar um pouco mais próxima das meninas, de criar uma conexão de amizade, a gente pode colocar assim, porque é um contato muito gostoso.

A gente se entende muito. Não entende 100% o esporte das outras, mas a gente compreende que tem uma rotina, a vida de atleta. Poder falar sobre outras coisas que não são só relacionadas ao esporte é muito legal. Então, criei uma relação maravilhosa com as meninas e espero levar para a vida toda.

Estou muito feliz que desta vez me permiti viver a Olimpíada de Paris como eu nunca tinha vivido nenhuma outra competição: de poder passear, fazer compras, ir à lojinha, falar com todo mundo… Foi muito incrível. Eu estava me sentindo tão bem, tão feliz de estar vivendo tudo o que eu estava vivendo lá em Paris, que fluiu. As coisas fluiram. Então, estou bem feliz e fazendo conexões e amizades novas. É muito legal.

Rebeca abraçada a Gabi - (foto: Reprodução/Instagram)
Rebeca e Gabi Guimarães em registro durante os Jogos Olímpicos de Paris(foto: Reprodução/Instagram)

NA: Sua visita a Belo Horizonte chamou a atenção, especialmente de quem mora aqui e é fã do seu trabalho. Como foi essa vinda a BH? A Gabi que te chamou? Conta para a gente o que você fez, se gostou da cidade, já tinha vindo e o que mais gostou de conhecer…

RA: Foi uma visita super rápida, não consegui ver muita coisa. Eu fui mesmo porque queria encontrar as meninas, dar aquele abraço, falar mais uma vez o quanto eu estava orgulhosa delas, descontrair também, falar sobre outras coisas. Foi muito incrível. Espero, de verdade, poder voltar e conhecer um pouquinho mais ainda de BH.

Agora que eu já tenho uma visão… ‘Meu Deus, todo mundo gosta de mim lá!’ (risos). Então, quero voltar, sim. Foi muito, muito incrível. Estar com elas é sempre maravilhoso. São pessoas incríveis e eu admiro demais, demais mesmo as atletas que elas são.

NA: Quais são seus planos para o próximo ciclo olímpico? Você comentou em Paris que talvez voltasse a Los Angeles como especialista de aparelho. Essa é a sua meta? Ainda falta algo que você quer muito conquistar no esporte?

RA: Meu plano é terminar o ano. Ainda tenho o Campeonato Brasileiro, que é bem importante para o clube, tenho as férias, que é importante para mim, para descansar minha mente e o corpo para, então, conseguir pensar no que vem pela frente. Sim, eu espero muito que a equipe não precise de mim para que eu possa focar só nos aparelhos que eu gostaria de ser especialista, que são salto e paralela. Se precisasse, eu faria uma trave, mas também não é uma vontade minha.

No momento, esse ainda é o meu pensamento. No futuro, se Deus e eu sentirmos que meu corpo melhorou e a equipe precisar, eu faço o solo, claro, mas eu espero não precisar fazer. A gente tem meninas que podem, sim, alcançar um nível muito alto no solo e eu torço muito por elas. Porque é um orgulho gigante poder ver a ginástica crescendo e poder ver novas meninas aparecendo, ganhando espaço no nosso esporte.

Se falta algo que eu gostaria de conquistar? Uma medalha olímpica de paralelas. Não importa quando. Eu queria muito subir ao pódio por causa das paralelas. Seria incrível, porque é o meu aparelho favorito.

Rebeca Andrade sendo saudada no pódio - (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Simone Biles e Jordan Chiles saudaram Rebeca Andrade no pódio do solo na Olimpíada de Paris. Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

NA: Depois de Paris, você ganhou ainda mais destaque no mundo do esporte. Seja nas redes sociais ou até mesmo à sua volta, existem muitas pessoas que torcem e até gostariam que você continuasse competindo em todos os aparelhos, por exemplo. Sabemos que você lida bem com a própria expectativa, mas como você lida com essa expectativa externa, que às vezes chega até em forma de cobrança?

RA: Eu lido muito bem com a expectativa das pessoas, porque eu entendo que a expectativa delas não está no meu controle. Mas, ao mesmo tempo, elas querem que eu alcance, me realize, que faça boas apresentações. Então, vejo como algo positivo, mas, ao mesmo tempo, eu não trago 100% para mim, porque eu sei que a pessoa em quem eu preciso estar pensando sou eu.

A mesma expectativa que as pessoas têm, eu também tenho, só que de uma forma mais controlada (risos). Para que eu consiga focar no que eu preciso fazer, me apresentar e mostrar ao mundo a melhor Rebeca que posso ser dentro da competição.

É bem tranquilo saber que as pessoas querem muito que eu vença, que eu esteja no pódio, porque sei que eles estão desejando aquilo de coração feliz, estão torcendo muito por mim. Isso é muito bonito de ver. Eu também sou torcedora e sei o que é querer que aquela pessoa que você tanto gosta, tanto ama, se realize. Isso é muito legal. Mas, para mim, é bem tranquilo.

NA: Nos próximos anos, a ginástica brasileira vai passar por uma transição. Como você acha que pode contribuir com a sua experiência para incentivar as atletas mais novas e quais são os nomes que você vê no futuro da ginástica?

RA: A maior forma que eu acho que posso contribuir com a minha experiência para incentivar atletas mais novas que estão chegando agora, a próxima geração, é sendo exemplo. É, como eu falei, sendo a melhor Rebeca que eu posso ser. Mostrando que não é fácil ser atleta.

A gente enfrenta muitas coisas nesse caminho para construir a nossa carreira. Mas as coisas valem a pena quando você faz por merecer, quando você trabalha muito, se dedica, entende que vai precisar abrir mão de algumas coisas. Mas, ao mesmo tempo, você vai poder aproveitar, conhecer lugares novos, curtir e ser realizado. Você vai conseguir se realizar dentro daquilo que você ama e dos planos que você tem em sua cabeça. A melhor maneira é sendo exemplo.

Rebeca Andrade, ginasta brasileira - (foto: Abelardo Mendes Jr/Correio Braziliense )
Rebeca Andrade executou Cheng e Amanar na final do salto(foto: Abelardo Mendes Jr/Correio Braziliense )

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