BRASÍLIA – A defesa de Eduardo Tagliaferro, ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido para que o ministro Alexandre de Moraes seja afastado da condução do inquérito que investiga o vazamento de mensagens de seus auxiliares.
Segundo os advogados de Tagliaferro, há um “nítido interesse na causa”, o que comprometeria a imparcialidade do ministro. O advogado Eduardo Kuntz, que representa Tagliaferro, afirmou que a decisão de Moraes de abrir o inquérito foi arbitrária e questionou a legalidade do rito processual.
“A instauração deste inquérito não poderia ter sido determinada por um ministro que não exerce a presidência do Supremo Tribunal Federal e, tampouco, sem a prévia manifestação da Procuradoria Geral da República”, escreveu Kuntz na petição.
A defesa argumenta que, de acordo com o regimento interno do STF, a abertura de inquéritos deve ser solicitada pelo procurador-geral da República, por autoridade policial ou pelo ofendido. No entanto, conforme apontado pela defesa, nenhum desses pedidos foi realizado.
Kuntz ainda enfatiza que, se Moraes for considerado o ofendido no caso, ele não poderia, sob nenhuma circunstância, atuar no processo, pois isso comprometeria sua imparcialidade. Em sua petição, Kuntz afirmou que o inquérito aberto por Moraes “macula o devido processo legal”.
Segundo ele, “o Ministro Relator determinou a instauração de inquérito para apurar, em última análise, a utilização de mensagens exibidas em matéria jornalística que lhe são profissionalmente desabonadoras e lhe infligem receio pessoal, numa possível tentativa de valer-se do exercício jurisdicional para evitar a confirmação do caráter arbitrário da sua atuação”.
Diante disso, os advogados de Tagliaferro solicitam que o inquérito, identificado como nº 4972, seja arquivado. Caso isso não seja possível, pedem que Alexandre de Moraes seja declarado impedido de atuar no caso. A defesa sustenta que a permanência do ministro na condução do inquérito compromete a imparcialidade necessária ao exercício de suas funções.
Além disso, a defesa solicitou uma medida liminar para suspender a atuação de Moraes até o julgamento final, argumentando que já foram emitidas ordens abusivas, como mandados de busca e apreensão. “(…) sem freio, em nada impede que medidas de constrição cautelar irreversíveis sejam decretadas”, afirmou.
Caso o STF acolha o pedido, a defesa também solicita a anulação de todos os atos praticados por Moraes no âmbito do inquérito. Agora, cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir se Alexandre de Moraes permanecerá ou não à frente da investigação.
O vazamento das mensagens
Reportagens da Folha de S.Paulo divulgaram áudios e mensagens trocados por auxiliares do ministro do Supremo. O conteúdo revela que enquanto presidia o TSE, Moraes utilizou o setor de combate à desinformação do tribunal para solicitar a produção de relatórios que embasaram suas decisões nos inquéritos das fake news e das milícias digitais no STF.
Os principais alvos dessas ações foram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados. As mensagens de auxiliares de Moraes, de acordo com o jornal, revelam um fluxo fora do rito oficial envolvendo os dois tribunais, com a utilização do órgão de combate à desinformação do TSE para investigar e abastecer um inquérito de outro tribunal, o STF, em assuntos relacionados ou não à eleição daquele ano.
Há mais de seis gigabytes de mensagens e arquivos trocados via WhatsApp por auxiliares de Moraes, entre eles o seu principal assessor no STF, que ocupa até hoje o posto de juiz instrutor (espécie de auxiliar de Moraes no gabinete), e outros integrantes da sua equipe no TSE e no Supremo. As conversas ocorreram entre 2022 e 2023.
Em algumas mensagens, assessores chegaram a relatar irritação de Moraes com a demora no atendimento às ordens dadas. “Vocês querem que eu faça o laudo?”, consta em uma das reproduções de falas do ministro. “Ele cismou. Quando ele cisma, é uma tragédia”, comentou um dos assessores. “Ele tá bravo agora”, disse outro.
O maior volume de mensagens com pedidos informais – todas no WhatsApp – envolveu o juiz instrutor Airton Vieira, assessor mais próximo de Moraes no STF, e Eduardo Tagliaferro, perito criminal que chefiava a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE. Tagliaferro deixou o cargo em maio de 2023, depois de ser preso sob suspeita de violência doméstica contra a sua esposa, em Caieiras, no interior de São Paulo.
Moraes negou qualquer irregularidade nos procedimentos adotados nas investigações que comanda. Em nota, ele afirmou que todos os procedimentos estão “devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria-Geral da República”.
O comunicado do gabinete esclareceu que “diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à Democracia e às Instituições”.