Foi assim, num caso como esse, que o empresário Henrique Silva Chagas, de 27 anos, acabou morrendo após se submeter a um peeling de fenol. O procedimento, que consiste na aplicação de um ácido que promove uma reação inflamatória na pele e consequente descamação do tecido, foi realizado por uma influenciadora que, conforme investigações da polícia, havia feito um curso online para aprender sobre a intervenção. Em nota, a respeito do caso, o Conselho Federal de Medicina (CFM) ressaltou que o peeling de fenol é um procedimento estético invasivo e, portanto, precisa ocorrer em um ambiente preparado, “com obediência às normas sanitárias e estrutura para imediata intervenção de suporte à vida, em caso de intercorrências”.
Dermatologista e membro Titular da Sociedade Brasileira de Dermatologia, José Roberto Braga Filho reitera a recomendação do CFM, explicando que o peeling de fenol é um procedimento complexo, que pode levar a uma alteração dos batimentos cardíacos e até mesmo a uma parada do coração e o óbito do paciente. “É por isso que precisa ser realizado em um ambiente de cirurgia. É necessário que exista uma monitorização cardíaca, soro ligado na veia, ter um anestesista acompanhando e o médico que for fazer tem que ter muita experiência”, elucida o médico, que é também fundador e diretor clínico do Instituto Fraga de Dermatologia (@fragadermatologia), em São Paulo.
CEO da Clínica Bonaparte Saúde e Estética, em Belo Horizonte, a dermatologista Fernanda Bonaparte (@dra.fernandabonaparte) reforça o coro, pontuando que, por utilizar um composto mais tóxico, que pode ser absorvido em grande quantidade, o peeling de fenol ainda pode causar outras reações. “Pode ter, às vezes, uma alteração da coloração da pele, uma intoxicação. Além disso, é preciso tomar cuidado com a cicatrização, porque ele provoca uma queimadura mais profunda, então é necessário ter cuidado com uma infecção”, afirma.
Embora a recomendação do Conselho Federal de Medicina e da própria Lei do Ato Médico seja de que procedimentos invasivos estéticos sejam feitos por profissionais da medicina, outras áreas também têm respaldo, através de seus conselhos, para atuarem na área. É isso o que explica o advogado e enfermeiro Cleber Fernandes (@cleber.fernandes_adv). Docente universitário e especialista em direito médico e da saúde, ele afirma, porém, que o tema ainda divide opiniões, principalmente porque há uma grande discussão a respeito do que seria um procedimento invasivo, já que a lei não determina exatamente sua definição e a forma como é feito. “Se a gente parte do entendimento que esse tipo de procedimento é todo aquele que ultrapassa a pele do paciente e invade o organismo, o enfermeiro, por exemplo, não poderia pegar uma veia, nem o técnico do laboratório. Mas no que diz respeito à estética, tem uma gama de profissionais que, através das resoluções dos conselhos, podem atuar”, afirma.
Segundo ele, além dos médicos, biomédicos, enfermeiros, farmacêuticos e dentistas possuem resoluções dos seus respectivos conselhos que garantem a atuação em procedimentos estéticos, inclusive na face.
Mas existem restrições. Segundo ele, os enfermeiros, por exemplo, não podem trabalhar com ácidos. Quanto aos esteticistas, há restrições do ponto de vista legal de atuação com procedimentos que, em algum ponto, podem ser invasivos com a aplicação de toxina botulínica e peeling de fenol. “Dentistas fazem muitos procedimentos, a resolução do Conselho [de odontologia] dá a possibilidade de atuar em toda a região da face, mas há uma controvérsia acerca de procedimentos no nariz, que ultrapassam o grau de conhecimento do profissional do ponto de vista legal”, explica.
Ainda, conforme o advogado, é recomendado também que os profissionais avaliem os procedimentos oferecidos e evitem correr riscos. “Mas, infelizmente, o que a gente vê hoje por conta dessa mercantilização é uma busca insana por baixo custo do lado do paciente e o profissional se submetendo a isso e assumindo riscos que não deveria assumir”.
Recomendações
Com uma gama de profissionais habilitados a realizar procedimentos estéticos, algumas recomendações devem ser seguidas por pacientes ou interessados em realizar esse tipo de intervenção no rosto. Para o dermatologista José Roberto Fraga Filho, antes de tudo, é preciso buscar por aqueles que sejam capazes de corrigir os efeitos colaterais que podem surgir: os médicos. “É muito frequente receber casos em que ocorrem reações adversas e os profissionais que fizeram o procedimento não sabem cuidar”, diz.
Presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia de Minas Gerais (SBD-MG), a médica dermatologista Gisele Viana de Oliveira corrobora a fala do colega, reiterando a necessidade que as intervenções sejam feitas por profissionais da medicina. “Nós vemos com grande preocupação o grande número de clínicas que não têm nenhum médico na equipe. Às vezes ela tem uma uma capinha externa bonita e isso chama a atenção dos pacientes, mas na verdade, eles não sabem os riscos relacionados a esses procedimentos”, afirma.
“Não devemos perguntar quais profissionais podem fazer esses procedimentos. A pergunta que deve ser é: será que o profissional que não é médico dermatologista deve fazer esse tipo de intervenção? Será que se acontecer um acidente, como aconteceu nesse local sem médico que nós todos acompanhamos em São Paulo, essa pessoa que está lá sabe o que fazer? Será que ela tem ideia de que complicações acontecem? Porque a gente não pode fazer esses procedimentos como se a gente fosse um robô que aprendeu a técnica que injeta, nós não somos técnicos, nós somos médicos. Então para fazer procedimentos você tem que saber solucionar as complicações, diagnosticá-las e tratá-las”, ressalta.
A presidente do SBD-MG lista também outros riscos que podem estar envolvidos na escolha de profissionais que não são da área da medicina, que incluem ainda a compra de produtos que podem ser oriundos de venda ou fabricação ilegal, já que muitos dos materiais utilizados têm venda restrita para médicos.
Avaliação dos profissionais é fundamental
José Roberto Fraga Filho também ressalta a importância de que o paciente busque por um profissional habilitado, que tenha inscrição no conselho regional de sua especialidade. Ele também aconselha para que haja cuidado com as redes sociais porque embora elas possam fornecer uma ideia sobre o profissional, as informações nem sempre são verdadeiras. “Você entra no Google e consegue ver tudo: se o médico tem a especialidade necessária, se ele está apto a fazer o procedimento, as avaliações, porque hoje somos sempre avaliados”, afirma.
O advogado Cleber Fernandes acrescenta que é válido também checar se as especializações informadas pelo profissional são reais e se são registradas. “É preciso verificar a formalidade daquela especialização, de repente ver se ele fez um curso que não é reconhecido pelo MEC, também é válido checar nas redes se há reclamações e quais são os resultados dos trabalhos feitos de fato, porque é muito fácil vender uma imagem de sucesso, mas nem sempre ela será verdadeira”.
Desconfiar de preços muito baixos e resultados que parecem bons demais para ser verdade também são orientações dadas pelos profissionais. “Quando se promete muito tem que ter cuidado, porque não existe milagre. Se a pessoa começa a oferecer muita coisa, está errado. A mesma coisa em relação ao preço, tem gente que coloca menos produtos para baratear o procedimento e enganam as pessoas”, alerta José Roberto.
Por fim, a dermatologista Fernanda Bonaparte orienta que os pacientes também avaliem a necessidade ou não do procedimento escolhido. “Tem que avaliar o risco e benefício, hoje a gente tem muitos recursos disponíveis, vários tipos de tratamento que podemos recorrer. É preciso olhar com cautela”.