Sozinha, Carol saltou para um improvável bloqueio simples e conseguiu impedir a adversária de colocar a bola no chão. Virou para as companheiras, bateu os punhos cerrados nos peitos e vibrou. A comemoração efusiva da central da Seleção Brasileira Feminina de Vôlei tem um componente extra: a raiva. E esse sentimento, tão rejeitado, tem sido combustível para vários atletas durante os Jogos Olímpicos de Paris 2024.
No vôlei, há uma justificativa facilmente detectável. Há pouco mais de um mês, o Brasil estava embalado por impressionantes 13 vitórias consecutivas na Liga das Nações (VNL), um feito inédito, quando se deparou com o Japão nas semifinais. O sólido sistema defensivo japonês prevaleceu e impediu a classificação brasileira à decisão. Na disputa pelo terceiro lugar, um novo revés, desta vez diante da Polônia.
Quis o destino que japonesas e polonesas estivessem no mesmo grupo da Seleção Brasileira na Olimpíada. Após a vitória tranquila sobre o Quênia na estreia, o discurso das jogadoras foi uníssono: era a hora da revanche. “Com relação ao Japão e à Polônia, vindo na raiva também, porque isso vai ser energia extra”, disse Thaisa, uma das líderes do elenco, na ocasião.
Mesmo de longe, o alto nível de concentração das jogadoras brasileiras era perceptível. Em um jogo quase impecável, a Seleção venceu o algoz Japão por 3 sets a 0 nessa quinta-feira e assegurou a vaga antecipadamente às quartas de final.
“Desde lá (VNL), falamos: ‘A gente não vai mais perder para elas, vamos entrar com tudo e não dar mole’, porque é um time muito bom. Então, a gente entrou com essa ‘raiva’ no coração para poder ganhar delas”, contou a líbero Nyeme. “Sabíamos que tínhamos que ir na ‘força do ódio’, como a gente brinca”, corroborou Macris.
E elas admitem: a raiva, o ódio e a sede de vingança serão canalizados em sentimentos positivos mais uma vez diante da Polônia. As equipes se enfrentam neste domingo (4/8), a partir das 16h (de Brasília), em partida que vale a liderança do Grupo B.
Em outras modalidades, sentimentos como a raiva têm se tornado combustível para atletas brasileiros. Pepê Gonçalves chegou aos Jogos com a esperança de subir ao pódio na canoagem slalom. Após duas eliminações precoces no K1 (caiaque) e no C1 (canoa), ele desabou, mas se reergueu e falou em canalizar a frustração em força para a disputa do cross, última prova dele em Paris.
“Saio com a cabeça erguida, mas p* para caramba. Queria muito essa final, essa medalha. Agora, é virar a chave e canalizar toda essa força para o cross. Quando pego toda essa raiva, é perigoso pros adversários. Estou remoendo dentro de mim, vou deixar o sangue dentro da água e vamos conseguir essa medalha. Só eu sei o que é essa raiva”, disse.
Beatriz Ferreira reforça o coro. Multicampeã, a boxeadora baiana de 31 anos é uma das favoritas ao ouro na categoria até 60kg. Mas, para conseguir a tão sonhada ‘mãe de todas’ as medalhas, precisa superar um trauma. Ela esteve muito perto do lugar mais alto do pódio em Tóquio 2020, mas perdeu a final para a irlandesa Kellie Harrington em uma decisão que até hoje incomoda a brasileira.
Por ironia do destino, Bia vai enfrentar justamente a algoz na semifinal em Paris. As duas vão ao combate neste sábado, a partir das 17h08, por uma vaga na decisão olímpica. Será a primeira vez que as duas ser enfrentarão desde Tóquio.
“Então, (Kellie Harrington) correu, correu, mas a gente se encontrou, nos Jogos Olímpicos ainda. Ironia do destino, né? Vamos buscar essa vitória, já que eu não aceitei a derrota de Tóquio. Eu vou brigar com unhas e dentes para sair vitoriosa dessa vez e convencer todos aqueles árbitros que estiverem julgando”, pontuou.
Raiva de despedida?
Nem sempre a raiva é combustível para a volta por cima. Em outros casos, torna-se companheira silenciosa da frustração. Três vezes medalhista olímpica, a judoca Mayra Aguiar se fez humana ao ser derrotada logo na estreia em Paris 2024. Caiu no choro e pediu um abraço à repórter que a entrevistava. Desabafou, admitiu já ter passado do próprio limite físico após oito cirurgias e que estava mentindo para si mesma ao acreditar que poderia superar as próprias dores mais uma vez.
Em meio às lágrimas, desabafou: “Quando acaba assim é ruim, dá uma raiva, aflição, angústia. Faz cinco anos que eu estou falando que eu quero chegar em casa e queimar todos os quimonos, mas eu amo esse esporte, amo esse clima, amo tudo isso e isso me fortalece”.
Aos 32 anos, Mayra pode ter encontrado na raiva o último sentimento em um tatame olímpico. Existia a expectativa de que ela voltasse para a disputa por equipes, neste sábado (3/8), algo descartado pela própria atleta. “Eu não vou conseguir, não vai dar dessa vez. Eu fico tranquila que a gente tem a melhor pesado do mundo, a Bia (Souza). Tenho certeza que ela vai representar muito bem. Desta vez eu não vou poder”.