Inconformado com o resultado do combate de esgrima contra a campeã brasileira Clara Amaral, contada por mim no EM de quarta-feira, resolvi continuar perseguindo o meu sonho quase olímpico. Estando há mais de seis anos sem fazer nenhuma atividade física, que não fosse uma leve e lenta caminhada no bairro onde moro ou uma brevíssima tentativa de frequentar a academia, resolvi recorrer a um esporte que estivesse mais dentro das minhas possibilidades, sem grande esforço físico.
A escolha pelo tiro com arco – nome oficial do arco e flecha – me pareceu natural. Um esporte em que o objetivo é acertar um alvo estático a alguns metros de distância me pareceu bem condizente com a minha falta de preparo. Com isso em mente, procurei a Federação Mineira de Tiro com Arco. O meu adversário? Nada menos que o pentacampeão brasileiro e participante de duas edições dos Jogos Olímpicos (Londres 2012 e Rio 2016), Daniel Xavier. “Prático há 30 anos. Comecei aos 11 e disparo de 300 a 400 flechas por dia”, me contou o arqueiro, que ainda nada e malha para reforçar a musculatura das costas. Um teste e tanto para quem nunca havia praticado a modalidade, não é mesmo?
Inicialmente, a encarregada por me treinar durante os 10 dias combinados seria a arqueira Mônica Reis. Mas, após problemas pessoais, a função ficou a cargo de Moisés Guimarães, mais conhecido como “Moi”, que foi medalhista no mundial de masters, competição para atletas acima de 50 anos, e bicampeão de duplas mistas na mesma categoria. O primeiro e grande desafio era tentar chegar às 6h no campo de treinamento. Para isso, tive que acordar por volta das 4h30. Acreditei que esse seria o maior dos problemas. O resto seria apenas puxar uma flecha e acertar um alvo.
Por causa do desafio, tive que queimar algumas etapas para cumprir com o padrão da competição realizada nos jogos olímpicos. Pela regra a ser adotada em Paris 2024, o atleta precisa atirar contra um alvo de 1,22 metro de diâmetro a uma distância de 70 metros. Um iniciante passa cerca de um mês ou um pouco mais para avançar além dos cinco metros. Mais alguns meses para 10. Depois, a progressão se dá em mais seis níveis: 15, 18, 30, 40, 50 e, por fim, os tão sonhados 70 metros. Segundo meu treinador, pode demorar de seis a 12 meses para alcançar essa meta final.
“Para conseguir chegar em um alto nível e começar a competir, pelo menos uns dois meses para distanciar”, me alertou a treinadora e profissional de educação física, Míria Wnuk.
O tamanho do alvo também vai variando de acordo com a distância. O de 18 metros de afastamento, por exemplo, tem 40 centímetros de diâmetro. Já a pontuação se inicia em 10, no centro, e vai descendo um número conforme se afasta do alvo principal. No meio da marca de 10, existe um outro círculo, mais centralizado ainda, que tem o objetivo de desempatar a disputa.
“É muito democrático, Não importa se a pessoa é alta, baixa, peso ou idade. Você pode ver uma pessoa de 60 anos ganhar do menino de 20 tranquilamente. É um esporte mais de concentração, mais mental do que de força física. Tem mais a questão da técnica, e um certo condicionamento físico para ficar debaixo de sol de três a quatro horas”, me disse Moi, o treinador responsável por me ensinar a modalidade.
O primeiro dia, com o alvo a cinco e a 10 metros de distância, foi tranquilo. A maioria das flechas que não acertavam o alvo, ao menos, atingiam a estrutura. Cravar as marcas de 10 e nove pontos foi um pouco mais difícil. As que furaram o alvo tinham muito mais ligação com a sorte amiga do iniciante do que com a minha técnica propriamente dita. Então, passei para o segundo objetivo, que era tentar agrupar as flechas em um mesmo local, ou seja, repetir o mesmo movimento de forma constante, compensando possíveis interferências, como o vento. Para isso, tive que fazer uso de técnicas como a ancoragem, que se trata de colocar a corda do arco sempre no mesmo lugar; mirar; puxar com a mesma força; e, por último, largar a flecha com o mesmo padrão.
Torneio profissional
Como meu tempo era curto, me distanciava alguns metros do alvo todos os dias. Ao final do terceiro treinamento, o meu adversário me propôs um desafio intermediário: participar da 3ª etapa do Campeonato Mineiro Indoor, que cairia no meu sétimo dia de prática. Com alvo a 18 metros de distância, tentei agrupar as flechas mais próximas dos 10 pontos durante os testes. Sucesso! Consegui colocar até cinco em uma circunferência mais diminuta, somando nove ou oito pontos em cada uma.
No dia da competição, foram duas séries de 30 flechas cada. Fiquei entre os oito primeiros. Mas, não se empolgue, caro leitor. Eram apenas oito competidores na disputa. A ansiedade me fez ter um desempenho pior do que vinha tendo nos treinos. Fiz 173 pontos, contra 363 do sétimo colocado. O meu adversário final, Daniel Xavier, teve um desempenho melhor: perdeu 24 pontos, fazendo 576 no total e vencendo a etapa.
O grande desafio
Daí pra frente, passei mais tempo buscando flechas perdidas no mato do que atirando nos treinamentos seguintes. Até consegui acertar algumas no alvo, mas sem agrupá-las. Cheguei aos 70 metros de distância no meu último dia de prática. “Nesse nível, se exige mais concentração. São detalhes. Qualquer coisa que você erra um pouquinho, a flecha vai lá no mato. Se tivesse um tempinho a mais, daria para botar uma pressão maior”, me aconselhou Moi na véspera.
O confronto contra o ex-atleta olímpico Daniel Xavier foi realizado em Lagoa Santa, na Região Metropolitana de BH. Antes de começar, tentei dar uns tiros para me aquecer. Apesar de não ter acertado todos, um ou outro foram mais centrais, o que me deixou esperançoso de conseguir a primeira vitória contra um atleta profissional.
Ao iniciar a disputa, o inesperado aconteceu: passei a não acertar nem o alvo na maioria das vezes, enquanto Daniel Xavier alternava entre 10 – na maioria das vezes – e nove pontos. Ao final de três séries de três tiros cada, sendo que cada vitória vale 2 pontos, o placar final foi de 6 a 0 para o meu oponente.
“É uma dificuldade muito grande. Ter uma progressão de 70 metros em 10 dias é uma loucura. Nessa distância, é preciso muita precisão. Você notou que qualquer coisinha que você faz diferente na força do dedo, ventinho para direita ou para esquerda, a flecha sai fora do alvo. Apenas um milímetro de diferença no arco pode resultar numa alteração de um metro no tiro final”, disse o arqueiro profissional após o desafio.