22/11/2024
06:30

Por que o Atlético não aderiu à recuperação judicial? CEO comenta, e advogado analisa < No Ataque

Bandeira do Atlético na Cidade do Galo (foto: Pedro Souza/Atlético)

Em novembro de 2023, com dívida global que ultrapassava a casa dos R$ 2 bilhões, o Atlético concretizou a transformação em Sociedade Anônima de Futebol (SAF). O modelo previa que o clube-empresa assumiria a totalidade da dívida, deixando a associação sem pendências financeiras. Diante do contexto, alguns torcedores levantaram o questionamento: por que o Galo não entrou em recuperação judicial?

A recuperação judicial é uma ferramenta jurídica que permite com que empresas em situação de fragilidade financeira renegociem dívidas de grande porte com credores, na tentativa de obter descontos expressivos. No Brasil, a Lei 14.193/2021 abre precedente para que clubes entrem com o pedido na Justiça mesmo sem a conversão de associação civil para sociedade anônima. Sport, Coritiba, Náutico e Cruzeiro foram algumas das instituições que adotaram a RJ.

Ao fim de 2022, de acordo com balanço financeiro, o perfil da dívida do Atlético estava dividido da seguinte maneira: R$ 796 milhões em operações de crédito; R$ 596 milhões em empréstimos de apoiadores, investimentos em atletas, fornecedores e outros; R$ 300 milhões em programas de refinanciamento e dívidas fiscais, e R$ 440 milhões dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) emitidos para finalizar obras da Arena MRV.

Aqui, cabe a ressalva de que duas dívidas bancárias da SAF do Galo são com instituições financeiras relacionadas a dois dos principais investidores do clube-empresa. Ao fim de 2022, esses montantes eram de: R$ 89,1 milhões com o BMG, da família de Ricardo Guimarães, e R$ 59,3 milhões com o Inter, da família de Rubens Menin.

Ao fim de 2023, também em balanço financeiro, o clube detalhou ter reduzido os débitos com empréstimos e financiamentos de R$ 843 milhões para R$ 465 milhões. A dívida com o BMG caiu de R$ 89,1 milhões para R$ 40 milhões (com vencimento em 5/3/2025), enquanto a pendência com o Inter subiu de R$ 59,3 milhões para R$ 65 milhões (com vencimento em 30/11/2026).

O que motivou a decisão do Atlético?

Uma fonte importante do clube foi contactada pelo No Ataque sobre o tema. Essa pessoa explicou que a dívida do Atlético no mercado financeiro tem “garantias adicionais”. Essas garantias poderiam ser cobradas fora de uma eventual recuperação judicial.

“A dívida principal do Atlético é no mercado financeiro e essa dívida tem garantias adicionais que poderiam ser cobradas fora da recuperação. Além das dívidas tributárias. As dívidas atrasadas com atletas, funcionários, fornecedores, agentes, trabalhistas e outros estão em dia e, portanto, não seriam tão relevantes para justificar uma recuperação judicial e darmos um calote nesse grupo de pessoas muito importantes para o nosso dia a dia”, disse.

“Os outros clubes tinham dívidas vencidas com ex-atletas, ex-técnicos, dívidas trabalhistas antigas, fornecedores, etc. E foi onde conseguiram grandes descontos. Não é o nosso caso”, acrescentou.

Outra pessoa contactada pelo No Ataque avaliou que a recuperação judicial “não é um caminho adequado para quem quer implantar um modelo de gestão profissional, que passa necessariamente por credibilidade”.

CEO se posiciona sobre recuperação judicial

O tema foi abordado em entrevista recente cedida por Bruno Muzzi, CEO do Atlético. Segundo o diretor, os investidores tiveram muitos debates até o entendimento final de que o clube não seguiria pelo caminho da RJ.

Bruno Muzzi, CEO Do Atlético, em entrevista coletiva na Arena MRV - (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Bruno Muzzi, CEO Do Atlético, em entrevista coletiva na Arena MRV(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

“Cada clube que se transformou em SAF tinha suas características. O Galo tinha as nossas. A gente discutiu muito, na hora da transformação, se a gente iria para um Regime Centralizado de Execução, se a gente iria para um recuperação judicial ou se a gente iria para um planejamento que é o que acabou acontecendo. Isso foi muito debatido”, iniciou.

Muzzi não entrou em detalhes, mas afirmou que, ao contrário de outros clubes, o Galo não poderia aderir a essa ferramenta jurídica.

“A gente optou pelo modelo atual, que foi uma aquisição e assunção de todas as dívidas pelos atuais acionistas. Não era possível seguir em uma recuperação judicial, no nosso caso específico. Outros clubes assim o fizeram. E foi essa a decisão que foi tomada”, prosseguiu.

O CEO se baseou, principalmente, no fato de que a dívida é de total responsabilidade dos investidores e não mais da associação.

“Hoje, isso já está superado. A SAF foi feita, os valores foram aportados. A associação não tem nenhuma dívida, a dívida é toda da SAF. E importante dizer que os acionistas, em última instância, são os responsáveis por todo o endividamento do Atlético. Hoje, em uma lei de SA, eles são os responsáveis pela dívida do Atlético”, completou.

Especialista analisa recuperação judicial

O No Ataque também conversou com Thiago Costa, sócio do MPC Advogados, escritório especializado em direito desportivo. Além de citar as vantagens e desvantagens da recuperação judicial, o advogado apontou possível conflito de interesses e opinou sobre a decisão final do Atlético.

As vantagens e riscos da recuperação Judicial no futebol

“A recuperação judicial no contexto do futebol pode oferecer vantagens e desvantagens, assim como em outros setores comerciais. Aqui estão algumas delas:

Vantagens

1. Continuidade das atividades: pode permitir que um clube de futebol continue operando enquanto reestrutura suas dívidas. Isso significa que o clube pode continuar a competir, pagar salários e manter suas atividades essenciais.

2. Negociação de dívidas: durante o processo de, o clube pode negociar suas dívidas com credores e buscar acordos que permitam pagamentos mais favoráveis, como descontos ou prazos estendidos

3. Proteção contra credores: ao entrar com um pedido de recuperação judicial, o clube ganha proteção contra ações judiciais de credores, o que lhe dá tempo para reorganizar suas finanças e buscar soluções viáveis.

4. Possibilidade de reestruturação: oferece a oportunidade para o clube reavaliar suas finanças, identificar problemas subjacentes e implementar mudanças estruturais para garantir sua sustentabilidade futura.

Riscos

1. Reputação prejudicada: o processo de recuperação judicial pode manchar a reputação do clube, afastando investidores, patrocinadores e até mesmo torcedores preocupados com a estabilidade financeira da equipe.

2. Restrições financeiras: o clube pode enfrentar restrições financeiras severas, limitando sua capacidade de investir em jogadores, instalações e outras áreas que são essenciais para o sucesso esportivo.

3. Perda de pontos ou rebaixamento: em algumas ligas, a entrada em recuperação judicial pode resultar em penalidades esportivas, como a perda de pontos ou até mesmo o rebaixamento para uma divisão inferior. 

4. Controle externo: em alguns casos, o tribunal pode nomear um administrador externo para supervisionar as operações do clube durante o processo, o que pode limitar a autonomia da administração existente.

Em resumo, enquanto a recuperação judicial pode oferecer uma oportunidade para os clubes de futebol reorganizarem suas finanças e continuarem operando, também apresenta riscos significativos, incluindo danos à reputação e restrições financeiras. Cada situação é única e os clubes devem considerar cuidadosamente os prós e contras antes de prosseguir com esse curso de ação.”

Possível rejeição dos credores e outros caminhos

“É possível que o clube retire o pedido de recuperação judicial e busque outras soluções para resolver suas dificuldades financeiras. A RJ  é apenas uma das opções disponíveis para lidar com dívidas e problemas financeiros, e sua rejeição pelos credores não necessariamente leva à falência imediata do clube.

Quando um pedido é rejeitado pelos credores, o clube ainda pode explorar outras alternativas, como negociações diretas com os credores para chegar a acordos de pagamento, venda de ativos não essenciais, captação de recursos por meio de investidores ou empréstimos, renegociação de contratos e redução de custos operacionais.

Retirar o pedido da Justiça pode ser uma estratégia viável se o clube acreditar que pode resolver suas dificuldades financeiras de outras maneiras, sem passar pelo processo formal da recuperação judicial. Isso pode envolver uma abordagem mais flexível e colaborativa com os credores, buscando soluções que sejam mutuamente benéficas.

No entanto, é importante notar que a retirada do pedido não garante automaticamente o sucesso na resolução dos problemas financeiros do clube. É crucial que o clube tenha um plano sólido e realista para enfrentar suas dívidas e restaurar sua saúde financeira a longo prazo.”

Conflito de interesses?

“É possível que exista um potencial conflito de interesses nessa situação, especialmente se os investidores do clube também são credores das dívidas que o Atlético possui. Se os investidores que têm dívidas a receber do clube estiverem envolvidos nas decisões sobre como lidar com essas dívidas, pode haver um incentivo para minimizar as perdas e maximizar os retornos, em detrimento dos interesses do clube.

Por exemplo, se os investidores-credores estiverem relutantes em conceder descontos ou renegociar termos favoráveis para o pagamento das dívidas, isso pode ser interpretado como uma tentativa de proteger seus próprios interesses financeiros em detrimento da saúde financeira do clube.

No entanto, é importante ressaltar que nem sempre um conflito de interesses é inevitavelmente prejudicial. Muitas vezes, os investidores têm um interesse legítimo em proteger seu investimento, e isso pode se alinhar com os interesses de longo prazo do clube. 

Por exemplo, se os investidores acreditam que ajudar o clube a se recuperar financeiramente é a melhor maneira de garantir retornos futuros em seus investimentos, então pode haver um incentivo para colaborar com o clube em vez de apenas buscar maximizar seus próprios ganhos imediatos.

A transparência e a gestão ética são fundamentais para lidar com conflitos de interesses dessa natureza. O Atlético deve garantir que as decisões relacionadas à gestão de suas dívidas sejam tomadas de forma transparente e com a consideração dos melhores interesses do clube como um todo. 

Isso pode envolver a consulta de especialistas independentes, a divulgação de informações relevantes aos stakeholders (partes interessadas de uma empresa) e a busca por soluções que equilibrem os interesses de todas as partes envolvidas.”

Redução da dívida do Atlético

O Atlético contabilizou redução da dívida de R$ 1,571 bilhão, em 2022, para R$ 824 milhões, em 2023. Os números não englobam os R$ 493 milhões de CRI (Certificados de Recebíveis Imobiliários) da Arena MRV. 

Em abril deste ano, Bruno Muzzi explicou o perfil da dívida existente. Segundo o executivo, o passivo total é de R$ 1,3 bilhão, incluindo as pendências do estádio. 

“O principal recado é a redução do endividamento com os aportes que foram feitos na SAF. A gente teve uma redução da dívida de R$ 747 milhões da associação do Atlético. E esse número não tem a Arena por causa de uma questão técnica. A Arena fica dentro de um fundo de investimento. Mas se a gente somar a dívida da Arena, chegamos a R$ 1,3 bilhão de dívidas”, disse.

“Saímos de R$ 2,1 bilhão, no momento da transação, para R$ 1,3 bilhão, considerando a dívida da Arena MRV”, completou.

Confira a matéria completa em: noataque.com.br